Na primeira mesa do evento “Desafios da Educação Técnico-Científica no Ensino Médio”, realizado na Academia Brasileira de Ciências (ABC), Roberto Lent, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador da Rede CpE, e o pesquisador Vitor Geraldi Haase, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), falaram sobre as possibilidades de aplicar descobertas científicas na educação, mostrando que os mais diversos campos do conhecimento podem dar sua contribuição à educação básica no sentido de melhorar o ensino.

 

Pesquisa translacional para educação

O conceito de pesquisa translacional – basicamente, qualquer pesquisa básica com possibilidade de aplicação prática – remete ao quadrante de Pasteur, criado pelo cientista americano Donald Strokes.

Em um diagrama, são estabelecidos dois critérios para cada pesquisa: se tem aplicação prática e se contribui para a produção de conhecimento. Se a pesquisa tiver apenas aplicação prática, mas não se aprofundar na pesquisa, atendendo a apenas um dos critérios, ela compõe o quadrante de Edison, inspirado por Thomas Edison, criador da lâmpada, e um homem totalmente prático. Se ela colaborar para o avanço da pesquisa, mas não tiver aplicação prática, faz parte do quadrante de Bohr, também pelas características deste cientista e se atender às duas premissas, a pesquisa é enquadrada no quadrante de Pasteur.

Segundo Strokes, os cientistas devem buscar atender ao quadrante de Pasteur, ou seja, não apenas contribuir para o avanço do conhecimento, mas também buscar aplicações práticas para a pesquisa.
Na área de saúde essa ideia já é amplamente aceita, disse Lent. O conceito “da bancada ao leito” se refere à prática de apresentar a pesquisa a uma banca com profissionais da saúde e empresários com possibilidade de investir na aplicação da pesquisa e, posteriormente, levar isso aos hospitais onde a inovação pode ser utilizada em benefício da sociedade.
Para Lent, o conceito do quadrante de Pasteur também pode ser aplicado à educação. Pesquisas dos mais diversos ramos podem gerar aplicações práticas que contribuam para melhorar o ensino.
O professor citou, como exemplo, um software desenvolvido por um grupo de pesquisadores em Israel em que um texto é apresentado às crianças e, logo em seguida, começa a se apagar, letra por letra, exigindo uma leitura mais rápida. Esse método, afirmou o pesquisador, tem ajudado crianças disléxicas a aprenderem a ler e melhorado a leitura de crianças normais.
Porém, esse não é só um exercício prático. O software foi desenvolvido a partir de um mapeamento das regiões do cérebro acionadas durante o processo de aprendizagem da leitura. “Essas regiões envolvem não apenas o reconhecimento das palavras, mas a monitoração dos movimentos oculares”, disse o neurologista. “Nós não lemos só reconhecendo palavras, temos também que movimentar os olhos. ”
Outro exemplo é o acompanhamento feito por pesquisadores suíços e americanos com crianças usuárias de videogames. A partir deste trabalho, os cientistas perceberam efeitos conflitantes dos jogos de ação nas crianças. O aspecto positivo é o aumento na capacidade perceptiva e de atenção das crianças. Já o lado negativo é que os jogos acabam estimulando comportamentos agressivos durante a infância. “Independente do conteúdo, jogos de ação têm uma atuação positiva nas crianças, mas o impacto na agressividade, no comportamento social, é tão negativo, que é preferível não ter”, diz o professor. “Agora, se for possível gerar um jogo de ação sem o conteúdo violento, vamos preservar apenas o aspecto positivo.”
Grupos de pesquisa para educação

Com o propósito de incentivar pesquisadores de diversas áreas a se voltarem para a educação, Roberto Lent criou recentemente, com a ajuda da rede Ciência para Educação (CpE) e do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, um censo que organiza dados de pesquisadores em plataformas online e, a partir de palavras-chaves, veem-se as pesquisas que estão sendo desenvolvidas no país e podem ser aplicadas à educação. “Eu mesmo sou neurocientista. Sempre trabalhei com neuroplasticidade aplicada a saúde. Mas, em determinado momento percebi que esse estudo tinha tudo a ver com educação”, contou Lent.
O próximo passo para esse trabalho será contatar os grupos de pesquisa e ver quais têm interesse em participar do projeto.
Contexto social e dificuldade individual
Também neurocientista, Vitor Geraldi Haase desenvolve com seu grupo, no Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento (LND), na UFMG, estudos para tentar entender o que causa a dificuldade de algumas crianças de aprender matemática.
Entre os motivos que impedem a absorção do conhecimento, reconheceu o professor, estão a pobreza, a falta de recursos e, muitas vezes, uma situação familiar instável. Porém, não é só isso. “Há um componente individual que precisa ser levado em consideração”, disse o professor. “Se não observamos isso, condenamos a criança duas vezes. Uma por sua condição social e outra por não ter o seu problema diagnosticado corretamente.”
A maior dificuldade encontrada pelos alunos, segundo Haase, é resgatar os conhecimentos aprendidos para resolver um problema. “Algumas crianças têm noção dos conceitos, mas não conseguem se lembrar dos dados. Então usam os dedos para realizar cálculos.”

Observando essa dificuldade, o pesquisador critica o método construtivista de ensino, aplicado em diversas escolas particulares no Brasil. A principal discordância é na proposta deste método de expor a criança a um problema e, sem dar ferramentas a ela, propor que ela o solucione sozinha. Porém, se a maior dificuldade está na aplicação dos conceitos e não na associação dos símbolos, Haase diz não acreditar que seja prejudicial ao aprendizado da criança fornecer-lhe as ferramentas.”Funciona quase como uma reinvenção da roda”, disse o neurocientista. “A humanidade demorou séculos para criar um sistema logaritmo que funciona e você quer que uma criança crie alguma coisa tão boa quanto”, afirma.

Diferentemente da fala que, segundo Haase, pode ser aprendida espontaneamente, bastando a criança integrar um grupo que se comunica por determinado idioma, a escrita e os cálculos não são aprendidos por um impulso intrínseco do indivíduo. “Metas que envolvem recompensas maiores, como acesso ao vestibular, incentivam crianças que têm essa perspectiva. Jovens de classes sociais mais baixas não veem isso de forma concreta e se perguntam ‘Por que eu vou abrir mão das minhas recompensas imediatas, como sair com meus amigos, para investir em coisas sobre as quais eu não tenho certeza? ‘” e, nesse aspecto, o professor considera que a educação no Brasil está falhando. “Como você pode se propor ao objetivo de formar um indivíduo se a pessoa chega à fase adulta sem saber ler, escrever ou calcular? “, questionou Haaser. “Tem hábitos e habilidades que são básicas, mas ele não adquiriu”, completou.

Fonte: Samil Chalupe para NABC

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