A comunicação em tempo real com pessoas durante os sonhos pode abrir caminho para novas terapias para traumas e também novas maneiras de aprender

Para muita gente é difícil fazer contas de matemática de cabeça. Agora, imagina se você tivesse que responder a problemas matemáticos dormindo. Pois foi exatamente isso que voluntários fizeram num experimento inovador em que quatro grupos de pesquisa independentes mostraram ser possível se comunicar com pessoas enquanto elas dormem e sonham. Segundo os pesquisadores, a técnica pode ser aplicada em novas estratégias de aprendizado, terapias para traumas psicológicos e até mesmo para incentivar a criatividade.

No experimento, os pesquisadores recrutaram 36 pessoas para tirar cochilos no laboratório usando toucas de EEG com eletrodos que monitoram sua atividade cerebral e o movimento de seus músculos faciais e olhos. Essa tecnologia, bastante comum em estudos sobre o sono, permite identificar quando as pessoas entram no chamado REM, estágio do sono em que os sonhos são mais comuns.

O objetivo dos pesquisadores era tentar se comunicar com os voluntários enquanto eles dormiam, fazendo perguntas simples e apresentando contas matemáticas que eles deveriam resolver e responder movendo a face ou os olhos de maneiras combinadas antes do cochilo.

“O estudo é bastante interessante, embora ainda preliminar,” diz o neurocientista e pesquisador da Rede CpE John Fontenele-Araujo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Araújo, que não fez parte da pesquisa, diz que já era esperado que durante os chamados “sonhos lúcidos”, quando a pessoa tem consciência de que está dormindo, fosse possível “tomar algumas decisões, como fazer uma soma de dois números.”

Para tentar se comunicar com os voluntários e comprovar que isso era possível, os pesquisadores treinaram os participantes para ter esses “sonhos lúcidos”. Embora raro, ter consciência do próprio sonho é um fenômeno conhecido e observado pela ciência desde a década de 1970. Uma em cada duas pessoas teve pelo menos um sonho lúcido na vida e cerca de 10% experimentam essa consciência uma vez por mês.

Primeiro, os pesquisadores explicaram como os sonhos lúcidos funcionam e apresentaram alguns sinais que eles usariam durante a sessão de sono para indicar às pessoas que elas estavam dormindo. Alguns laboratórios tocaram um som agudo, outros usaram luzes piscando ou um toque nas mãos — pistas para os voluntários.

As sessões de soneca foram programadas em horários diferentes: algumas à noite, quando as pessoas costumavam ir para a cama, e outras de manhã cedo quando elas queriam dormir mais. Cada laboratório usou uma maneira diferente de se comunicar com os participantes, desde perguntas faladas, luzes piscando e até código Morse. Os pesquisadores também combinaram com eles de que maneira as perguntas seriam respondidas durante o experimento: por exemplo, movendo os olhos de um lado para o outro num determinado número de vezes para indicar uma quantidade ou franzindo a testa e sorrindo para indicar “sim”ou “não.” Eles não usaram a fala porque durante o sono nossos músculos faciais se relaxam tanto que é difícil articular a boca para emitir sons que façam sentido.

Dentre as perguntas que foram feitas, estavam questões como “quanto é oito menos 6?” e “Você fala espanhol?”. De um total de 57 sessões de sono, seis voluntários sinalizaram que estavam tendo sonhos lúcidos em 15 delas. Das 158 perguntas feitas a esses participantes, eles responderam corretamente 18,6%, relata o estudo publicado na Current Biology.

Os sonhadores deram a resposta errada a apenas 3,2% das perguntas; 17,7% das respostas não foram claras e 60,8% das questões não obtiveram resposta. Os pesquisadores afirmam que esses números mostram que a comunicação, mesmo que difícil, é possível.

Para a autora principal Karen Konkoly, neurocientista cognitiva da Northwestern University, o experimento oferece uma maneira melhor de estudar os sonhos. “Quase tudo o que se sabe sobre os sonhos se baseia em relatos retrospectivos dados quando a pessoa está acordada e podem ser distorcidos,” ela diz. Konkoly espera que esta técnica possa ser usada no futuro terapeuticamente para influenciar os sonhos das pessoas para que possam lidar melhor com o trauma, ansiedade e depressão.

Outro autor do estudo, Ken Paller, da mesma universidade, acredita que a técnica pode ser usada também para promover sessões guiadas de aprendizado durante o sono. “Isso inclui praticar uma habilidade, como música ou matemática, e resolver problemas,” ele explica. “Você pode receber as instruções antes de dormir e ter um instrutor se comunicando com você durante o sono.”

Araújo explica que sonhos lúcidos podem trazer algumas vantagens para o ensino, como a “liberdade para pensar” e a segurança para experimentar qualquer coisa sem o medo de se machucar. “Quando estamos dormindo e sem a interferência sensorial, temos mais circuitos neuronais disponíveis e sem interferência para se dedicar a resolver um problema, “ele diz. “Além disso, temos a ausência de “lesões”, afinal, durante o sono, as ameaças não são reais (posso treinar me equilibrar em uma corda!).”

O pesquisador, no entanto, destaca que o estudo ainda é preliminar e estamos longe de ter esse tipo de aplicação no aprendizado. Ele também nota o quão difícil é promover esse tipo de comunicação com os sonhadores (o estudo conseguiu sucesso em uma parcela pequena dos voluntários). “São necessários estudos mais detalhados para resolver esta questão, ”ele diz. “Será necessário que diversos grupos simultaneamente façam mais experimentos.”

Enquanto isso, podemos sonhar com o que futuras pesquisas podem trazer.

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Jornalista carioca guiada pela curiosidade e fascinada pela ciência. Especializada na cobertura de ciência, saúde, tecnologia e meio ambiente, atuou como repórter da Ciência Hoje durante maior parte de sua carreira. Na Rede CpE, toca a assessoria de imprensa e a produção de conteúdo.

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