O estresse das crianças pode afetar a sua concentração. Pais e professores devem estar atentos para isso e adotar algumas medidas para aliviar a tensão emocional

Nas últimas semanas, grande parte das famílias brasileiras teve que se acostumar a uma rotina de isolamento em casa para conter o avanço do novo coronavírus. Ao mesmo tempo em que têm a oportunidade de conviver mais com seus filhos, os pais e responsáveis precisam lidar com os desafios psicológicos causados pela situação de incerteza da quarentena. O turbilhão de ansiedade, medo e estresse pode afetar negativamente a aprendizagem das crianças, que começam a experimentar a rotina de ensino a distância.

Há anos estudando a neurobiologia do medo e da ansiedade em ratos, o pesquisador associado da Rede CpE Marcus Lira Brandão (USP) observou que esses animais alteram seu estado emocional após dez dias isolados em ambientes sem contato visual ou auditivo com outros animais. Segundo Marcus, o isolamento provoca ansiedade e pode levar a quadros depressivos, que são revertidos assim que os animais são ressocializados. “É o que esperamos que aconteça quando a pandemia terminar, que a ressocialização coloque tudo no lugar”, comenta o pesquisador.

A resposta ao estresse é uma reação normal do organismo para garantir a sobrevivência em situações de perigo. Quando somos expostos a estressores, o sistema nervoso reage liberando na corrente sanguínea adrenalina, que prepara o nosso corpo para fugir daquela situação, e cortisol, que aumenta a atenção e a memória relacionada ao evento causador de estresse. “Essa resposta precisa ser equilibrada, ou seja, não pode ser nem muito exagerada, nem muito aquém do que é necessário para o indivíduo responder da forma mais adaptativa possível”, alerta a pesquisadora da Rede CpE Deborah Suchecki, do Departamento de Psicobiologia da Unifesp.

Quando exacerbado, o estresse pode gerar ansiedade e alterar a capacidade da criança de se concentrar e, assim, de aprender. “Se, por um lado, o estresse agudo aumenta a atenção para o evento que gerou estresse, ele também desvia a atenção de qualquer coisa que não tenha a ver com isso. Isso prejudica, por exemplo, a aquisição de novas informações”, explica Deborah.

No caso da pandemia, Marcus afirma que o estresse pela possível exposição ao vírus e a tensão do ambiente familiar podem fazer com que a criança tenha dificuldade para enfrentar outras situações da vida, como os cadernos e as tarefas da sala de aula. Em crianças, a agressividade, a busca por isolamento e o desinteresse em interagir com colegas e com os pais podem ser sinais de estresse excessivo.
A forma como a criança responde ao estresse depende de fatores genéticos e comportamentais, como personalidade e história de vida. Para Deborah, em tempos de distanciamento social, o modo como os pais lidam com a situação e o suporte que a escola oferece para manter a rotina de atividades da criança também importam. No caso dos adultos, uma atitude mental positiva pode influenciar as crianças positivamente. Pesquisadores norte-americanos encontraram uma correlação positiva entre mães pessimistas e filhos pessimistas, em um estudo publicado em 2002 na revista International Journal of Behavioral Development.

O papel das escolas e dos tutores

Algumas estratégias podem ser adotadas para ajudar as crianças a enfrentar a situação de estresse e ansiedade provocada pela pandemia. Marcus aconselha os pais a explicarem de forma didática o que é o novo coronavírus e o significado do confinamento em casa, sem ficar o tempo todo focado no assunto. Deborah ressalta que é importante manter uma rotina mais próxima do normal possível, com horário de dormir, acordar e estudar – para adultos e crianças. “A criança que ia para a aula de manhã tem que manter um horário de estudos no turno da manhã”, aconselha. A OMS e a OPAS também recomendam a manutenção da rotina e o controle do acesso à informação pelos pequenos.

Outros fatores como o ambiente de estudo e o envolvimento afetivo dos pais também são fundamentais na qualidade do aprendizado. Crianças e jovens que não têm um local adequado para estudar, cujas famílias estão em vulnerabilidade social ou cujos pais não se envolvem com suas atividades escolares tendem a ter mais dificuldades no aprendizado. A conclusão é de uma uma metanálise sobre os 900 grandes estudos da história da educação feita por John Hattie e Gregory Yates. O estudo conclui que a dimensão da casa em que o estudante mora afeta a aprendizagem tanto quanto aspectos sobre a formação de professores, a estrutura das aulas e das escolas.

No contexto da pandemia, são poucas as famílias brasileiras que conseguem criar um ambiente favorável à aprendizagem – com condições financeiras, tempo e envolvimento dos pais. Grande parte ainda precisa manter a sua rotina de trabalhar fora de casa. Segundo o pesquisador Helder Gusso, da UFSC, essa situação de aprendizagem, que já é comum ao ensino presencial, se complica ainda mais neste momento, em que as escolas têm que se adaptar ao ensino remoto emergencial.

Se, por um lado, a orientação para os pais é se envolver nos hábitos de estudo dos filhos em casa, a recomendação para as escolas e professores é de flexibilizar as demandas. Para Helder, as escolas precisam entender a realidade dos seus estudantes e consultar as famílias para saber qual a viabilidade de se fazer ensino remoto emergencial nas casas, já que muitos pais ainda estão trabalhando fora de casa e não têm tempo para atuar como tutores. Outra dica importante é de não cobrar das crianças um ritmo normal de aprendizagem e tentar manter um vínculo afetivo com elas, por exemplo, com a gravação de vídeos.

Confira mais dicas:

Orientações para pais

  • Converse sobre a pandemia de forma realista, sincera e otimista com seus filhos
  • Seja aberto e escute as angústias e sentimentos dos seus filhos
  • Construa uma rotina diária flexível, mas constante
  • Evite sobrecarregar seus filhos com informações e notícias sobre a pandemia
  • Dedique um tempo para passar com seus filhos, sem televisão ou celular ligado

Orientações para professores e escolas

  • Foque em atividades complementares e lúdicas e não em atividades obrigatórias
  • Oriente os pais para exercerem funções de tutores dos filhos no ensino em casa
  • Opte por vídeos gravados e não aulas transmitidas “ao vivo”, para que o aluno possa assistir no seu próprio ritmo
  • Reavalie as estratégias de ensino remoto de acordo com o feedback dos pais e alunos
(Baseado nas recomendações da OPAS – https://www.paho.org/es/temas/coronavirus/enfermedad-por-coronavirus-covid-19/covid-19-crianza)

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