O I Encontro Anual da Rede Nacional de Ciência para Educação reuniu pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento para debater como a ciência pode promover melhores práticas de ensino e aprendizado, especialmente em temas como educação especial, novas tecnologias, competências socioemocionais, educação de matemática e outros. O evento aconteceu de 2 a 4 de agosto em São Paulo, no Novotel Morumbi e contou com um público de mais de 250 participantes.
Ansiedade matemática
A palestra de abertura com a pesquisadora norte-americana Susan Levine (Universidade de Chicago abordou como a ansiedade em relação à matemática, muito comum mesmo entre adultos, pode impactar o aprendizado da disciplina entre as crianças. A estudiosa apontou que a tensão dos pais e professores é passada aos filhos e dificulta o processo educacional.
Levine apresentou dados de estudos conduzidos por seu grupo que mostram a importância de uma conversa rica em expressões matemáticas entre pais e filhos para enriquecer o aprendizado da disciplina. Segundo ela, a comunicação entre adultos e crianças favorece o entendimento numérico quando usa expressões da matemática associadas a questões do cotidiano e, no caso de crianças pré-escolares, gestos que facilitam o entendimento.
“Temos observado que quando as crianças aprendem o conceito dos números e quantidades, conseguem expressá-los primeiro com gestos e só depois com a linguagem”, disse.
Alfabetização, educação especial e superdotação
Outro tema abordado no evento foi a controvérsia sobre os melhores ou mais indicados métodos de alfabetização. Os participantes da mesa-redonda ofereceram diferentes referenciais teóricos que inspiram diferentes práticas e discutiram quais seriam as razões para o fato de que um número significativo de crianças brasileiras frequenta escolas sem aprender a ler.
Também foi discutida a educação especial, para surdos, cegos e superdotados. A pesquisadora Denise Fleith, que estuda superdotação, se debruçou sobre os principais mitos relacionados ao aluno superdotado, ressaltando que superdotação não se restringe a alto QI, mas está associada a muitas outra habilidades. “Muitos alunos com superdotação passam desapercebidos em sala de aula por conta dessa ideia de que a superdotação está somente associada ao QI”, disse.
Fleith também comentou a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que estabeleceu a idade mínima de seis anos para o início da alfabetização. Para a pesquisadora da Rede CpE, a medida é equivocada e pode ser prejudicial para muitas crianças. “Essa decisão parte da premissa de que existe uma idade cronológica fixa para dizer que o aluno está pronto. É perigoso propor estratégias exclusivamente com base na idade do estudante. É necessário avaliar o perfil do aluno e o seu contexto.”
Fleith comentou também as práticas de aceleração, como pular uma série, que são alternativas para crianças com superdotação. “Muitas escolas reprovam esse procedimento com a ideia de que o aluno vai perder a infância ou não está maduro socialmente e emocionalmente para ser acelerado”, diz. “Mas em muitos casos o aluno superdotado pode ficar desmotivado se estiver em uma classe aquém de sua capacidade e acelerar é muito benéfico. Para a criança superdotada, a leitura pode ser uma brincadeira, ela não vai perder a infância nem algo do tipo se a aceleração for bem planejada.”
O encontro trouxe ainda o debate sobre tecnologias digitais e o uso da inteligência artificial tanto no desenvolvimento de programas que podem auxiliar a aprendizado quanto para diminuir o tempo gasto pelos professores com tarefas burocráticas. A inteligência artificial é uma técnica que ensina o computador a aprender por si só para realizar tarefas automaticamente.
Novo currículo do ensino médio e políticas públicas
O novo currículo do Ensino Médio e Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi outro tem de debate e controvérsias no encontro. Os palestrantes concordaram que o atual formato está defasado e que a implementação de nova proposta deve ser melhor discutida, mas divergiram sobre os caminhos a se tomar, como, por exemplo, a escolha pelo ensino técnico.
Para Ricardo Paes de Barros, os jovens devem ser protagonistas da própria aprendizagem e ter liberdade de escolha nesse processo, além de considerar que a maioria deles pode vir a seguir profissões que ainda não existem. “Formá-los tecnicamente para uma coisa que a gente nem sabe qual vai ser é impossível. Temos que mudar, mas a questão é como interpretamos essa mudança. Precisamos, sim, de uma mudança para a flexibilidade e para a escolha, mas não de uma segmentação dos caminhos educacionais”, disse, pontuando que o caminho deve ser no sentido de estimular o protagonismo dos alunos.
Já o sociólogo Simon Schwartzmann destacou que a educação secundária no Brasil está fortemente enviesada para a preparação para o ensino superior, ainda que esse diploma não garanta mais um alto padrão de vida e que metade dos alunos de graduação não chegue ao final do curso. O pesquisador lembrou ainda que, apesar de o acesso às faculdades e universidades ter aumentado, apenas 20% das pessoas têm curso superior no país.
Para o sociólogo, por conta desse cenário, o ensino médio deveria ser repensado não como uma etapa para entrar na universidade, mas sim como um ambiente para formação do indivíduo. “O modelo tradicional cria uma camisa de força, tenta colocar todo mundo na camisa de força, que é o modelo único, e um grupo pequeno consegue caminhar e a maioria fica pelo caminho e não consegue”, afirmou. “Se queremos desenvolver todos com a mesma coisa, não desenvolvemos ninguém, porque cada um pega um pouquinho de cada coisa e ninguém fica com nada. O Ensino Médio tem de ser complexo, tem de oferecer diferentes alternativas para pessoas diferentes, pela vocação É preciso atender públicos diferentes.”
A economista Cláudia Costin destacou dados recentes do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que mostram que, apesar de ser a 8ª maior economia das 70 nações que permitiram a divulgação de seus resultados no exame, o Brasil se encontra na 63ª posição em Ciências, no 59ª lugar em Leitura e no 66º posicionamento em Matemática, considerando a avaliação de estudantes matriculados a partir do 7º ano do ensino fundamental na faixa etária dos 15 anos. Para ela, a solução precisa vir antes do Ensino Médio. “Quando falamos da crise do Ensino Médio, temos de lembrar que ela começa bem antes dessa etapa do ensino”, avaliou. “A nova lei do Ensino Médio está correta em acabar com a fragmentação dos saberes, mas é preciso pensar também na educação básica.”
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