Saber avaliar o que o estudante aprendeu durante o período de ensino remoto vai ser peça primordial no retorno às aulas presenciais das escolas
O período longe da sala de aula durante a pandemia de COVID-19 vai cobrar seu preço, principalmente dos estudantes que não tiveram condições de acompanhar as aulas remotas. Para planejar um retorno às aulas presenciais com qualidade, redes de ensino e professores precisam avaliar o grau de aprendizagem e as perdas experienciadas pelos estudantes durante esse período.
A avaliação é um processo contínuo e constante dentro de uma sala de aula que faz parte do próprio processo pedagógico. “O professor da turma está sempre avaliando os estudantes de alguma maneira, mesmo quando não está explicitamente aplicando uma prova”, comenta o pesquisador Márcio da Costa (UFRJ), associado à Rede CpE. Acompanhar o progresso do aluno ajuda o docente a planejar os próximos passos da aprendizagem — delimitando onde se pode avançar e quais conteúdos precisam ser recuperados.
Durante a pandemia, a falta de contato presencial com os estudantes tornou o processo de avaliação ainda mais complexo. Para Ana Paula Colling, pesquisadora da Ulbra, no Rio Grande do Sul, as estratégias encontradas pelas escolas para manter atividades escolares a distância acabam por dificultar a avaliação. “Diferente do ambiente da sala de aula, o professor não consegue enxergar as reações do aluno durante a aula on-line, ou seja, não consegue constatar se ele entendeu o conteúdo ou não”, comenta.
Muitos alunos nem tiveram acesso ao conteúdo do ensino remoto a distância – seja por causa da falta de estrutura das redes escolares, que se organizaram de forma tardia, ou, mesmo, pela ausência de condições tecnológicas para acompanhar as aulas. O desnível de aprendizagem dessas crianças e jovens vai ser outro problema enfrentado pelos professores na retomada das aulas presenciais.
De acordo com estudos científicos, o fechamento das escolas durante a pandemia de COVID-19 tende a impactar de forma mais acentuada alunos que já enfrentavam alguma dificuldade de aprendizagem. Uma meta análise feita pela fundação independente Education Endowment Foundation, do Reino Unido, mostra que a lacuna entre a aprendizagem desses alunos em relação aos seus colegas será, em média, de 36%. Análises mais pessimistas do mesmo estudo estimam que a lacuna de aprendizagem entre esses estudantes pode chegar a 75%.
Essas análises têm como base situações de fechamento de escolas por causa de eventos adversos como furacões ou, mesmo, férias de verão, em períodos bem menores do que estamos enfrentando – o que pode sugerir que os efeitos da pandemia de COVID-19 podem ser maiores. Além disso, o relatório pontua que as perdas econômicas das famílias durante a pandemia podem piorar essa situação de aprendizagem.
Em outro artigo, pesquisadores da Universidade da Virgínia e da Universidade Brown, nos Estados Unidos, estimam que os ganhos de aprendizagem dos estudantes que retornarão às aulas no outono de 2020 serão prejudicados pelo período de afastamento da sala de aula. Eles podem perder até 32% da aquisição de leitura e de 63% a 50% da aquisição de matemática comparado a um ano escolar normal. Os pesquisadores pontuam, ainda, que as perdas de aprendizagem afetarão os alunos de forma desigual, sendo que alunos em atraso tendem a ser os mais prejudicados.
A preocupação em avaliar as perdas de aprendizagem no período de isolamento social parece estar circunscrita ao norte global – o que acaba por não representar os estudantes e a educação brasileira. O Brasil tem um cenário bastante preocupante neste quesito, pois está na lista de países com maior tempo de fechamento de escolas, segundo relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado em setembro.
Na avaliação de Márcio da Costa, as discussões sobre volta às aulas no Brasil ainda estão muito focadas em questões formais do ensino: nos efeitos da pandemia nas estatísticas de educação do Governo Federal, colhidas pela avaliação do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), e nos mecanismos de aprovação ou reprovação dos alunos.
Para ele, o foco do debate de retomada às aulas deveria ser outro. “Deveríamos estar nos perguntando: os estudantes estão ou não aprendendo mais? Onde estão as diferenças de aprendizagem e que estratégias vamos usar para minimizá-las? Como a gente faz para recuperar e diminuir as desvantagens educacionais de estudantes em condições sociais muito deficientes?”
Avaliação focada no diagnóstico
Enquanto as aulas não retornam ao seu modo presencial, os professores podem criar estratégias para tentar minimizar as perdas de aprendizagem dos seus alunos. Propor seminários, pesquisas na internet partindo dos interesses dos estudantes, atividades on-line de autoavaliação e de avaliação em grupo são métodos citados por Colling para sair da monotonia dos testes mais tradicionais. “O fundamental, neste momento, é escutar o aluno e transformá-lo em protagonista do seu processo de aprendizagem”, acrescenta a professora.
“Estudantes desenvolvem sua capacidade de aprender na medida em que têm um retorno qualificado sobre o seu processo de aprendizagem”, aponta da Costa. Por isso, fornecer informações ao aluno sobre os conteúdos aprendidos de forma periódica – o que estudiosos chamam de feedback estruturado – é uma estratégia avaliativa interessante para este momento de ensino remoto.
Na retomada presencial das aulas, a avaliação deverá ser focada na realização de um diagnóstico do aluno, investigando em qual ponto ele está da aprendizagem do conteúdo – e o que foi perdido ou não trabalhado durante o período de ensino remoto. Para Colling, a sensibilidade do professor em perceber o ritmo de cada aluno vai fazer toda a diferença. “A partir do acolhimento do aluno e dessa percepção individual, o professor pode buscar estratégias que consigam auxiliar toda a turma”, analisa.
Uma das estratégias citadas pelos dois especialistas é a tutoria entre pares. Ela consiste em colocar os alunos mais avançados na aprendizagem, que tiveram acesso a todos os conteúdos do ensino remoto, como monitores dos seus colegas de turma. “Como esses estudantes falam a mesma linguagem dos seus colegas, o processo de aprendizagem pode ser mais eficaz”, comenta Colling.
De qualquer forma, é importante manter em mente que o processo avaliativo das crianças e adolescentes afetados pela pandemia não vai ser finalizado em 2020 – ou seja, vai se estender para os próximos anos. E, por isso, vai requerer uma atenção redobrada das redes de ensino e dos professores.
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