Por Marcus Maia, professor da UFRJ e pesquisador associado da Rede CpE; Daniela Cid de Garcia, professora da UFRJ e pesquisadora associado da Rede CpE; e Juliana Novo Gomes, do Centro de Linguística da Universidade do Porto

A sigla W.E.I.R.D. indica um subconjunto populacional da humanidade representado por pessoas ocidentais (Western), educadas (Educated), de países industrializados (Industrialized), ricos (Rich) e democráticos (Democratic). O termo foi inicialmente proposto em Henrich, Heine, Norenzayan (2010), que argumentaram que mais de 80% dos estudos em Psicologia Cognitiva, incluindo a Psicolinguística, incide sobre esta população WEIRD, que constituiria não mais do que 12% da humanidade. Neste sentido, os resultados obtidos poderiam não ser efetivamente representativos das propriedades cognitivas da espécie humana, podendo-se estar cometendo, portanto, erros do Tipo I, falso positivo, e do Tipo II, falso negativo (cf. Maia, 2021).

Neste artigo, apresentamos a pesquisa aplicada realizada com falantes de Karajá, tomando como referência a ordem em que as palavras aparecem nas frases na língua indígena do Brasil Central que dá nome ao povo-Karajá (Maia et al, 2023).

A pesquisa de campo experimental teve início pioneiramente com o estudo de Oliveira & Maia (2011), que reporta experimentos investigando a compreensão de expressões de localização na língua Karajá. Em seguida, a viagem continuou com uma equipe constituída pelos autores do presente artigo, além de outros membros do LAPEX/UFRJ – Laboratório de Psicolinguística Experimental e do laboratório de neurociência da linguagem (ACESIN/UFRJ).

Desenvolvemos uma pesquisa aplicada, executada através de estudos de rastreamento ocular, uma técnica para estudar o movimento dos olhos, com membros da comunidade Karajá de Hawalò, na Ilha do Bananal (TO). Tal pesquisa baseia-se no projeto desenvolvido em conjunto pelos membros fundadores da Rede Nacional de Ciência para a EducaçãoMarcus Maia (LAPEX) e Aniela Improta França (ACESIN).

A história completa das três fases do projeto em turmas do 8º ano do ensino fundamental da escola pública do Rio de Janeiro é apresentada em Maia (2019), Psicolinguística & Metacognição na Escola, na qual os fundamentos conceituais, os diagnósticos, os diferentes workshops e as fases de reavaliação são totalmente descritos e discutidos.

  

Oficinas de testes e atividades metacognitivas na aldeia Karajá de Hawalò

Nas oficinas na escola Karajá Wataú, focalizamos a ordem de determinadas palavras nas frases para explorarmos diferentes estruturas produzidas por populações WEIRD[1] e metodologias psicolinguísticas para motivar a discussão sobre a língua Karajá.  Usamos a metodologia de rastreamento ocular e abrimos pelo menos parte da “caixa preta da pesquisa” para os participantes, apresentando seus dados de leitura como forma de levá-los a pensar sobre o seu uso da língua.

Em uma viagem de campo de três semanas à aldeia Karajá de Hawalò, em fevereiro de 2019, tivemos sessões diárias com professores Karajá e alunos do ensino fundamental e médio e tivemos também a oportunidade de registrar informalmente suas leituras de diferentes frases no idioma karajá, usando um rastreador ocular portátil. Normalmente, registrávamos suas leituras de diferentes expressões em uma tarefa de julgamento da boa formação de frases durante as manhãs, e exibíamos vídeos das leituras (como nos exemplos 1, 2 e 3 abaixo) nas sessões da tarde, nas quais a proposta era basicamente observar, comparar e discutir os padrões de rastreamento ocular, sempre muito intuitivos.

Essas sessões de discussão sobre rastreamento ocular foram muito envolventes e motivadoras, com a participação ativa e animada de membros da comunidade escolar Karajá, incluindo professores e alunos do ensino fundamental e médio, que apresentavam com entusiasmo suas hipóteses sobre os padrões de leitura, oferecendo percepções interessantes sobre as leituras.

A seguir, apresentamos algumas das atividades que exploram construções relacionadas à ordenação de advérbios. Os participantes compararam, entre outras, as três leituras abaixo:

aquele homem canoa fez vagarosamente

“Aquele homem fez a canoa vagarosamente”

 

  • *

aquele homem fez vagarosamente canoa

“Aquele homem fez vagarosamente a canoa””

 

  • ??

aquele homem canoa vagarosamente fez

“Aquele homem a canoa vagarosamente fez””

 

Observando esses padrões de leitura, os participantes fizeram hipóteses sobre a dificuldade de ler cada um deles, identificando ativamente a maior dificuldade na frase (2) em que, contrariando a ordem na língua, o verbo é não final e o advérbio ywimy está entre V e O, gerando agramaticalidade.

Concluíram também que a frase em (1) é bem formada, enquanto a (3) geraria maior dificuldade em ler do que (1), mas menor dificuldade do que (2), já que se conforma a ordem OV, produzindo uma única violação gramatical, a saber, a colocação do advérbio entre O e V.

Nessas oficinas na escola Karajá, também usamos dados qualitativos de rastreamento ocular como uma ferramenta para motivar os professores indígenas a pensarem sobre sua língua e cultura.

O rastreamento ocular tem o potencial não apenas de ajudar os participantes a se conscientizarem de sua leitura on-line, mas também de oferecer a eles dados interessantes para exercitar sua capacidade de formação científica, inspecionando e contrastando dados para criar hipóteses, estabelecer variáveis, fazer inferências e tirar conclusões sobre diferentes aspectos de sua língua.

Nesse sentido, confiamos que, trazendo professores e alunos de escolas indígenas para papeis mais ativos, abrindo as caixas-pretas da pesquisa e ouvindo-os como educadores e linguistas, em um diálogo inovador, possamos vir a ampliar as nossas próprias visões de mundo, categorias metalinguísticas e ferramentas analíticas à luz das percepções indígenas não-WEIRD, que poderão ser ativadas.

 

Referências

HENRICH, J.; HEINE, S. J.; NORENZAYAN, A. The WEIRDest people in the world?

MAIA, M. (Org.). (2019). Psicolinguística e metacognição na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2019.

MAIA, Marcus. “Non-WEIRD experimental field work as bricolage: a discourse on methods in the investigation of deixis and coreference in the Karajá language of Central Brazil.” Journal of Cultural Cognitive Science, 2021.

MAIA, M., GARCIA, D. & GOMES, J. NoN-weird  (psycho)linguistic  endeavors: theoretical and metacognitive research with the Karajá of Central Brazil. Revista LinguíStica, UFRJ, vol. 19, p.142-162, 2023.

OLIVEIRA, Cristiane de; MAIA, M. A. R. O processamento da dêixis e da correferência em Karajá. Veredas(UFJF. Online), v. 1, pp. 351-366, 2011.

Nota

O presente artigo baseia-se fundamentalmente no estudo de Maia, Garcia & Gomes (2023), intitulado  “Non-weird (psycho)linguistic endeavors: theoretical and metacognitive research with the Karajá of Central Brazil” – https://revistas.ufrj.br/index.php/rl/article/view/60014

[1] A sigla W.E.I.R.D. indica um subconjunto populacional da humanidade representado por pessoas ocidentais (Western), educadas (Educated), de países industrializados (Industrialized), ricos (Rich) e democráticos (Democratic).

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado