Por Claudio A. Serfaty, professor da UFF e pesquisador associado da Rede CpE

A desnutrição crônica e a fome são graves ameaças ao desenvolvimento das habilidades sensoriais motoras e cognitivas do cérebro humano e com grande potencial para comprometer gerações futuras. Portanto, estas condições constituem emergências de saúde, que necessitam de uma pronta ação do poder público.

Para além dos fatores visíveis da desnutrição, temo olhar também para formas mais sutis de desnutrição, que muitas vezes não dão sinais claros e cursam de forma silenciosa durante a infância e adolescência: as formas ocultas de desnutrição provocadas pela carência nutricional de nutrientes essenciais, ou seja, aqueles que dependem exclusivamente da dieta.

Nosso grupo de pesquisa estudou as carências nutricionais do aminoácido triptofano e dos ácidos graxos ômega-3 e seu impacto no desenvolvimento de circuitos neurais e períodos críticos de plasticidade cerebral que podem somar fatores de risco para o desenvolvimento de distúrbios do desenvolvimento como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e até mesmo condições psiquiátricas, como a esquizofrenia.

 Impacto da carência nutricional de nutrientes essenciais durante o desenvolvimento

Nutrientes essenciais são aqueles que não são produzidos pelo nosso organismo e, portanto, dependem exclusivamente do que comemos. O triptofano é o único precursor metabólico da serotonina e sua carência nutricional resulta em rápido declínio deste neurotransmissor no cérebro.

As fontes nutricionais estão presentes em proteínas de alto valor biológico, encontradas em maior quantidade em proteínas de origem animal (como nos derivados do leite, ovos e carnes). Também está presente em proteínas de origem vegetal (algas, algumas sementes, grãos e castanhas) embora em quantidades mais limitadas. Portanto, populações em situação de insegurança alimentar e nutricional constituem um grupo de risco ao pleno desenvolvimento cerebral já que as fontes proteicas são de alto custo.

A falta de triptofano e baixas quantidades de serotonina no cérebro tem efeitos negativos sobre o refinamento de conexões neurais e de neuroplasticidade resultando em déficits de aprendizado, principalmente se a carência ocorre na primeira infância (0 a 6 anos).

Por outro lado, a carência de ácidos graxos poliinsaturados ômega-3, outro nutriente dependente exclusivamente da dieta, retarda o desenvolvimento dos circuitos neurais, atrasando o processo de poda sináptica (eliminação de sinapses), em um mecanismo que envolve a neuroinflamação cerebral. Nossos dados também revelaram uma alteração na janela temporal do período crítico de plasticidade no sistema visual. Alterações nestas etapas do desenvolvimento tem grande potencial para impactar o desenvolvimento cerebral e gerar, a longo prazo, comprometimento no processo de aprendizado.

É importante ressaltar que as fontes nutricionais de ômega-3 são de alto custo financeiro já que esses ácidos graxos estão presentes em peixes oceânicos de águas profundas (salmão oceânico, sardinhas…), castanhas, nozes, mas também em vegetais escuros e sementes.

A partir dos estudos de carências de nutrientes essenciais, demonstra-se que estas condições surgem mesmo em dietas não restritivas, chamadas de normocalóricas, e têm grande impacto nos processos de refinamento de circuitos neurais, notadamente nos processos de poda sináptica e nos mecanismos de plasticidade neural que frequentemente estão associados aos déficits de aprendizagem.

Além destes déficits nutricionais, é importante ressaltar o efeito danoso de alimentos ultraprocessados e/ou ricos em gorduras saturadas, que frequentemente apresentam um excesso de açucares. Estes também resultam em processos neuroinflamatórios que comprometem, igualmente, o desenvolvimento cerebral e o aprendizado.

Portanto, os estudos permitem concluir que certas carências nutricionais constituem fatores de risco cumulativos para condições anormais do desenvolvimento, com grande potencial para comprometer o desenvolvimento de circuitos neurais e os períodos críticos do sistema nervoso central, com impactos no desenvolvimento cognitivo e no aprendizado escolar.

Como as fontes nutricionais de triptofano e de ácidos graxos ômega 3 são de alto custo, torna-se imperativa a discussão deste tema em uma época em que a ciência deve contribuir para a reconstrução de políticas públicas visando o desenvolvimento infantil, a educação e o bem-estar social.

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