O nuerocientista Sidarta Ribeiro analisa os gargalos do ambiente escolar no I Simpósio Internacional sobre Ciência para Educação

Respeitar o ritmo de aprendizado de cada aluno vai além de atender suas dificuldades com o conteúdo, mas passa por entender suas necessidades de sono, alimentação e sua vontade para fazer exercícios e brincar. Quem defende a tese é o neurocientista Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que abriu o I Simpósio Internacional sobre Ciência para Educação com a palestra “Gargalos fisiológicos do aprendizado escolar – por que a biologia atrapalha a psicologia na educação”. O evento no Rio de Janeiro, que começou no domingo e vai até esta segunda (6/07), é uma iniciativa da Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE) com apoio do Instituto Ayrton Senna e da Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos (NSF). Criada em novembro do ano passado, a Rede CpE tem por objetivo estimular pesquisas científicas que possam incentivar novas práticas e políticas educacionais.

Atraído pela educação após voltar há 10 anos dos Estados Unidos, onde obteve Ph.D. em comportamento animal pela Universidade Rockfeller e pós-doutorado na Universidade de Duke, Sidarta começou a fazer experimentos usando o sono como ferramenta de aprendizado escolar. A ligação entre a sua especialidade e a forma com que se adquire conhecimento, segundo ele, estão dadas desde a metade do século passado, quando o psicólogo canadense Donald Hebb escreveu que “aprendizado está se tornando cada vez mais necessário para entender o problema dos adultos na sociedade”.

O neurocientista sustenta que em países como o Brasil, assim como na maior parte do mundo, a desigualdade está cada vez maior, mesmo diante do progresso tecnológico que facilitaria o acesso a bens e serviços básicos a uma maior parte da população. “O mais importante é que muitas pessoas, sejam de direita ou de esquerda, religiosos ou ateus, do norte ou do sul, do terceiro ou do primeiro mundo, concordam que a educação é que vai nos salvar”, disse. Antes disso acontecer, no entanto, Sidarta analisou as condições da escola e os obstáculos para criação de oportunidades a todos.

Falando em inglês a uma plateia que incluía representantes dos EUA e da América Latina, ele mencionou o baixo salário de professores como uma das razões para falta de motivação e ressaltou a discrepância entre os US$ 300 pagos a um professor de Nairobi, no Quênia – e do valor próximo a isso que brasileiros recebem de remuneração – com os US$ 7 mil que um professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) recebe. Apesar da diferença de habilidades, explica, na universidade americana o docente tem diante de si alunos com boa formação, enquanto do outro lado as carências são evidentes. “O trabalho na educação básica é muito mais difícil e, de certa forma, mais importante, porque se essas crianças não aprenderem o que necessitam, podem criar problemas para a sociedade. No MIT, eles já estão prontos e são bem-sucedidos.”

Como alternativa a esse problema, Sidarta se mostrou partidário de uma proposta para federalizar a carreira do professor. Ela deve ser uma, vinda da autoridade central. Eu não vejo o argumento de eu ganhar cinco ou dez vezes mais [como professor universitário] do que as pessoas que estão ensinando as crianças nas áreas mais pobres. Isso não faz sentido”, ponderou.

Para Sidarta, a maioria dos alunos do mundo em desenvolvimento partem em desvantagem de recursos logo que acordam para ir para aula. “Eles vêm de ambientes em que são privados de sono, pois dormem junto com outros integrantes da casa e quando um acorda, todo mundo acorda junto. A comida é escassa e não existe nenhum espaço para fazer exercícios, se esticar e alongar”.

Esse é um dos motivos, segundo ele, por que a biologia sempre vai atrapalhar a psicologia e tornar o trabalho do professor mais desgastante. “É difícil discutir qual é o melhor sistema pedagógico quando a criança não está fisicamente apta a aprender. Se resolver isso primeiro, todo o resto vai funcionar”, afirma.

Brincadeiras e exercícios físicos

Entre os três motivos elencados por Sidarta, o exercício físico é tratado pela a escola, segundo ele, com maior desprezo. É visto como uma aula complementar e é a primeira ser descartada em caso de uma mudança na programação do dia na escola.

No entanto, pesquisas tanto em animais quanto em seres humanos mostram que exercícios criam uma melhor condição para o aprendizado. “O que descobriram foi um aumento durante o tempo no volume do hipocampo [principal sede da memória], mas não no cérebro todo. Ainda que o exercício não lide com nada relacionado à memória declarativa [de longo prazo] per se, pode ter uma influência forte na habilidade para sua aquisição e manutenção”, detalha.

Sidarta lembrou ainda que há espaço muito grande para pesquisas na área, e não apenas a memória declarativa, mas a procedural (de procedimentos, hábitos e habilidades) pode trazer novidades. “Um trabalho na Argentina mostrou que só mudando alunos de uma sala para outra já é possível melhorar o aprendizado. O argumento é que a escola não faz isso de maneira sistemática”.

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Alimentação

É de conhecimento geral que uma alimentação regrada é essencial para o bem-estar. Qual a evidência disso? Sidarta explica que o cérebro precisa de muita glicose para trabalhar e isso não se trata de um efeito placebo em que há uma recompensa porque algo doce foi colocado na língua. O excesso de gordura, no entanto, além de trazer os já conhecidos riscos à saúde, torna a retenção de conteúdo mais lenta.

Sidarta defende que a escola, da mesma maneira com que deve proceder com os exercícios físicos, deve fazer um esforço para correlacionar os momentos de alimentação ao currículo. “Não há uma tentativa na maior parte das escolas de dizer: Muito bem, você se saiu bem e por causa disso pode comer. Eu não digo que crianças que não se saíram bem podem passar fome, mas deve-se usar de maneira mais inteligente esses componentes metacognitivos”. Ao aprender no momento correto e comer o alimento certo, a criança aprende melhor. “Esse é o tipo de conversa que não existe na escola com a criança. Elas ganhariam muito porque entenderiam melhor por que estão ali. A maioria não entende e acha que está só gastando tempo”.

Sono

A fala de Sidarta tratou por último do sono, que é dividido em duas grandes fases: a inicial e o REM (sigla em inglês para fase de movimento rápido dos olhos), que acontece na segunda fase da noite. “Algumas pessoas acreditam que o sono inicial é bom para o aprendizado declarativo, enquanto outras, para procedimentos. Não há um consenso nesse campo, mas é aceito que as duas fases são importantes para o aprendizado”.

Sidarta admite, no entanto, que é difícil negociar a ideia de inserir longos períodos de sono no dia a dia escolar dado o formato conteudista que domina. “Se tiver uma pequena soneca, de 10 ou 30 minutos, é mais fácil encaixar dentro da programação”.

Até agora, segundo ele, os estudos mostram que o sono impacta mais com o tempo de retenção do conhecimento do que com o “aprender mais”.” Quando falo em melhora de 10% para professores e diretores, eles dizem que é muito pouco. Por que vou cancelar minha aula para deixá-los dormir se eles vão aprender só 10% mais? É claro que não sei a resposta para isso, mas suspeito que nós estamos lidando a situações semelhantes ao do interesse composto. Ter 10% todo dia pode terminar sendo muito após seis meses ou um ano”.

Escola dos sonhos

Na conclusão de sua fala o neurocientista defendeu que o ambiente escolar ideal deve privilegiar a autonomia do aluno e isso deve passar primeiro por suas necessidades fisiológicas. E enumera possíveis situações com as quais educadores teriam de lidar: “O que você quer fazer? Quer jogar capoeira agora? Então tudo bem. Quer comer? Tudo bem. Se quiser dormir, vai dormir. Está feliz? Sim. Então agora podemos aprender, agora podemos ter uma aula.”

Ele defende um formato de aula mais curto para que todos se envolvam. Em um mundo ideal, Sidarta vê a neurociência estudando não só a curva média de desempenho da turma, mas o que acontece com o aprendizado de cada indivíduo. Assim, explica, será mais fácil identificar os momentos onde se aprendeu mais e dizer quando o aluno pode comer ou pode dormir mais um pouco para consolidar esse aprendizado. No futuro, temos que investir mais na autorregulamentação. Você não diz aos alunos quando eles precisam ir ao banheiro. Eles já fazem isso. Por que não deixar também que digam quando querem dormir ou comer? Temos que ouvir mais crianças.

 

Texto de Vinícius de Oliveira originalmente publicado no site Porvir.

 

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