I Encontro Nacional entre Cientistas e Educadores reuniu mais de 300 pessoas para refletir sobre as interface entre ciência e educação

Os resultados do Pisa repetem um cenário que se arrasta por anos: mesmo com investimentos crescentes em educação, quase metade dos estudantes brasileiros (44,1%) está abaixo do nível de aprendizagem considerado adequado em leitura, matemática e ciências. A resposta para mudar esses indicadores pode estar no investimento não só nas salas de aula, mas nos laboratórios, em pesquisas que possam contribuir para uma educação de melhor qualidade. Essa foi a ideia do  I Encontro Nacional entre Cientistas e Educadores, que, nos dias 9 e 10 de dezembro, reuniu educadores e pesquisadores de diversos campos da ciência no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

Realizado pela Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE), em parceria com o Museu do Amanhã e o Instituto Ayrton Senna, o encontro  promoveu o diálogo e apontou caminhos para a colaboração entre ciência e educação, apresentando evidências científicas que podem apoiar as práticas educacionais e também  o que ainda precisa ser estudado nesse sentido.

“O uso da ciência pela sociedade não pode ser separado da educação. A melhor maneira de educar as crianças para viver no mundo de hoje é dialogar com a ciência”, afirmou Luiz Alberto Oliveira, curador do Museu do Amanhã na cerimônia de abertura.

Durante o encontro, mais de 300 participantes puderam acompanhar apresentações de pesquisas com potencial de aplicação em educação e debater sobre problemas da área, tudo isso com interpretação em libras em tempo real. “Há vários exemplos na realidade educacional que indicam que a ciência pode ajudar na proposta de boas intervenções em educação”, disse o coordenador da Rede CpE, o neurocientista Roberto Lent.

O diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, destacou a importância de iniciativas como o evento.  “Somente com a ponte levando para a sala de aula aquilo que a ciência nos ajuda a compreender melhor, como o funcionamento do cérebro, a gente poderá fazer a educação avançar”, complementou.

Ao longo dos dois dias, foram apresentados trabalhos voltados para áreas como tecnologia e aprendizagem, competências metacognitivas (vinculadas à reflexão sobre o próprio processo de aprendizagem), socioemocionais (vinculadas à relação com as próprias emoções, com os outros e com objetivos de vida), aspectos vinculados ao desenvolvimento, como o estresse, a nutrição, as atividades físicas e o sono, e até o debate sobre o papel da mídia na divulgação de informações sobre educação.

“As experiências pelas quais cada pessoa passa impactam no seu desenvolvimento, por isso é importante conhecer os processos típicos, atípicos e de risco para poder trabalhar com a prevenção, que também pode acontecer por meio da educação”, defendeu a professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Beatriz Linhares.

O pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Fernando Louzada complementou mostrando dados de diversas pesquisas que indicam mostram a importância de fatores como nutrição e atividade física na cognição e no aprendizado. Louzada apresentou estudos que relacionam, por exemplo, a atividade física com o crescimento do número de neurônios e o sono como forma de consolidar aprendizados e até resolver problemas que não conseguimos quando acordados.

Com base nos dados compilados, o cientista faz alguma recomendações para as escolas avaliarem, como a possibilidade de horários alternativos para entrada e saída na sala de aula, permitindo oportunidade iguais de aprendizado para alunos com relógio biológico vespertino e matutino.

“A gente se alimenta do conhecimento científico para elaborar melhores práticas, é importante que educadores tenham acesso a essas informações e se preocupem com elas quando elaboram intervenções educacionais”, afirmou Louzada.

Na mesma mesa de debate, o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Sidarta Ribeiro ressaltou que ainda há perguntas a serem respondidas pela ciência, mas que já é possível desenvolver ações efetivas a partir das evidências atuais. “A ciência não vai ‘prescrever’ soluções, mas é importante que ela possa avançar para fornecer mais dados que auxiliem a prática. É necessário termos políticas públicas que invistam em pesquisas sobre esses temas, que nos permitam compreender melhor os fatores que podem melhorar a educação”, disse.

Com a participação de professores do ensino básico e representantes de faculdades de Educação, o evento também indicou contribuições que a escola pode oferecer aos cientistas para contribuir com as pesquisas acadêmicas, ao indicar a realidade que professores encontram nas salas de aula e as demandas por inovações na formação inicial. “O uso da tecnologia, por exemplo, já está sendo discutido como recurso pedagógico em nosso grupo de pesquisa e estamos buscando gerar mais informações para apoiar as escolas nesse sentido”, compartilhou a pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Patrícia Behar.

Ao final do evento, o neurocientista John Araújo da UFRN lembrou que, assim como ocorre hoje na saúde, o papel da academia e das pesquisas científicas é dar suporte ao trabalho dos educadores, e não substituir o que já vem sendo feito. “A ciência pode ajudar nas práticas educacionais com evidências”, disse. “É a mesma relação que tenho hoje em meu laboratório com os médicos. Eu estudo o sono e muitas vezes médicos me procuram para entender melhor um determinado problema de um paciente. Eu não sou médico, não vou dizer a ele como tratar o paciente, mas posso oferecer o conhecimento para ele embasar a sua prática. Com o professor podemos fazer o mesmo.”

Documentos temáticos

O encontro também marcou o lançamento oficial de quatro documentos temáticos com diretrizes sobre educação embasadas em dados científicos. O material foi produzido ao longo do ano por cientistas membros da Rede CpE após séries de encontros e discussões sobre os temas: fatores fisiológicos que afetam o aprendizado; competências emocionais, metacognição e tecnologias educacionais; estudantes com deficiências surdos e superdotados no Brasil e alfabetização infantil, fluência de leitura e competência linguística. 

Acesse os documentos completos aqui.

Confira os vídeos das palestras transmitidas ao vivo em nosso Facebook.

 

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