Colunistas apresentam panorama sobre a situação de inatividade de muitos jovens brasileiros, que nem estudam nem trabalham, apontando fatores correlacionados e efeitos na sociedade

Por: Joana S. M. Costa (IPEA), Miguel N. Foguel (IPEA) e Maíra A. P. Franca (UFF)

Estudar e trabalhar são duas das principais atividades por meio das quais os indivíduos desenvolvem suas habilidades cognitivas e competências socioemocionais, seus conhecimentos gerais e específicos e suas capacidades crítica e criativa. Grande parte da formação desse capital humano ocorre durante as fases infantil e juvenil, momento do ciclo de vida no qual há maior maleabilidade para o aprendizado. Como o capital humano influencia uma diversidade de aspectos da vida – como a renda, a saúde, as redes de contato e as decisões sobre casamento e filhos – esse momento é crucial para determinar as experiências e trajetórias futuras das pessoas. Em geral, quanto maior a quantidade e a qualidade do capital humano acumulado na infância e na juventude, maior o nível de bem-estar não só do próprio indivíduo, mas também da sociedade como um todo.

Distintamente da infância, que é marcada pela frequência à escola, a juventude é caracterizada pela transição entre a escola e o mundo do trabalho. Durante essa fase, que pode ser demarcada entre 15 e 24 anos de idade, espera-se que os jovens usem boa parte de seu tempo nas atividades de estudo e trabalho. Atualmente, há um amplo consenso internacional de que os jovens de 15 a 17 anos devem estar envolvidos com a atividade de estudo, ainda que optem por participar do mercado de trabalho simultaneamente. A opção por não estudar e apenas trabalhar só é aceita para aqueles acima dos 18 anos. Há também um amplo consenso de que, independentemente da idade do jovem, estar na categoria dos que nem estudam nem trabalham durante muito tempo é indesejável tanto para o jovem individualmente quanto para a sociedade em geral. Quanto mais tempo o jovem permanecer em uma situação de não engajamento com estudo ou trabalho, maior poderá ser o impacto negativo em sua trajetória de vida, reduzindo suas chances de obter (bons) empregos, gerar renda para si e sua família e, muitas vezes, deixando-o vulnerável para se envolver com atividades criminosas.

Dados elaborados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam que no Brasil cerca de 13% dos jovens de 15 a 24 anos são nem-nem, uma proporção mais baixa que a apresentada para alguns países de renda média como Chile (18%) e México (19%), porém mais elevada que a média dos países da OCDE (8%). O fenômeno nem-nem tem, portanto, relevância mundial e está inversamente relacionado com nível de desenvolvimento socioeconômico dos países.

 

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Gráfico 1:Proporção de Jovens Nem-Nem (15 a 24 anos): Brasil e Países da OCDE, circa 2010

Ao longo das últimas duas décadas, a proporção dos jovens de 15 a 24 anos que nem estuda e nem participa do mercado de trabalho no Brasil experimentou uma queda de 16% em 1995 para 13% em 2009, quando então volta a subir, atingindo 14% em 2015. O movimento de queda foi quase todo explicado pela redução na taxa de nem-nem feminina, o que se deveu em grande medida ao aumento de participação das mulheres jovens no mercado de trabalho, especialmente das jovens acima de 18 anos. Ainda assim, a taxa de mulheres nessa situação é expressivamente maior que a dos homens, revelando que o fenômeno nem-nem permanece predominantemente feminino. Essa diferença por gênero já tinha sido apontada por vários autores e revelam que os eventos do casamento e da maternidade ainda cumprem um papel muito importante na inserção social das mulheres jovens.

A tendência de redução da taxa nem-nem entre 1995 e 2009 também se explica pelo aumento na proporção dos jovens de ambos os sexos na faixa de 15 a 17 anos que só estuda. Apesar da queda da proporção de jovens nem-nem para esta faixa etária, notada principalmente entre as mulheres, o desejável seria que essa estatística fosse muito baixa, tendo em vista que se trata de um grupo em idade escolar.

Nos anos mais recentes, cresceram as taxas para ambos os sexos, com destaque para a dos homens de 18 a 24 anos, que passou de 8% em 2009 para 11% em 2015, enquanto para as mulheres da mesma faixa etária aumentou de 23% para 24%. A maior proporção de jovens nem-nem entre aqueles de 18 a 24 ilustra o fato de que a transição escola-trabalho não ocorre sem percalços.

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Gráfico 2: Evolução da Proporção de Jovens Nem-Nem por Gênero e Faixa Etária, 1995 – 2015

Além do gênero e da faixa etária, há vários fatores individuais e de contextos familiar e local que influenciam os jovens a não estudar nem participar da força de trabalho. Entre os fatores individuais estão as habilidades cognitivas e não cognitivas, a importância dada ao presente vis-à-vis ao futuro, as preferências por formar família e ter filhos e a própria história pregressa do jovem, especialmente os sucessos e insucessos escolares. Em grande medida, esses fatores individuais são influenciados pela família e pelo ambiente comunitário do jovem. Fatores familiares importantes incluem a valoração dada à educação e ao trabalho pela família, o nível de renda, a educação dos pais e a composição demográfica do domicílio. Já os fatores comunitários incluem o local de moradia (por exemplo, se urbano ou rural), a disponibilidade e a qualidade das escolas e de cursos de treinamento profissional, a quantidade e o perfil das vagas de emprego e o salário pago aos jovens no mercado de trabalho local. Nesse plano local, ou mesmo mais global, também desempenham papéis importantes fatores como as normas culturais, as instituições legais e as condições da economia.

Considerando o plano individual, é possível observar algum contraste entre os jovens negros e brancos, com uma maior taxa de nem-nem para os primeiros (16%) do que para os segundos (12%). Experiências malsucedidas na escola parecem ser um fator relevante, já que os jovens com atraso escolar são mais propensos a serem nem-nem (22%) do que os jovens com nível de escolaridade adequada para sua idade (10%). Já se sabia que o atraso educacional na juventude induzia à evasão escolar, que é elevada no Brasil, mas esse fator parece também estar provocando a inatividade laboral. Para as mulheres jovens, um fator determinante do desengajamento produtivo é ter ou não filho na juventude: mais de 43% das jovens mães se encontram na situação nem-nem, ao passo que a taxa para as jovens sem filhos é menor que 13%. Se, para muitas jovens, ser mãe é uma decisão autônoma e consciente, para outras, especialmente as adolescentes, a maternidade ocorre de modo desinformado e indesejado.

No plano familiar, a renda do domicílio condensa uma série de informações sobre o background familiar e as condições de vida do jovem, incluindo a qualificação de seus pais e a disponibilidade de recursos para o investimento na educação e na saúde do jovem. No Brasil, um em cada quatro jovens pobres (i.e., que estão no quinto inferior da distribuição de renda) são nem-nem, enquanto apenas um em cada vinte jovens mais ricos (no último quinto da distribuição de renda) encontram-se nesta situação. Dados os efeitos negativos do desengajamento educacional e laboral dos nem-nem sobre suas trajetórias futuras, essa diferença por nível de renda é um fator preocupante, uma vez que tende a perpetuar a pobreza e as desigualdades sociais no país.

 

Gráfico 3: Proporção de Jovens Nem-Nem (15-24 anos) por Características SocioeconômicasIndividuais e Familiares, 2015– Em %

Gráfico 3: Proporção de Jovens Nem-Nem (15-24 anos) por Características Socioeconômicas Individuais e Familiares, 2015– Em %

O desengajamento produtivo dos jovens também é influenciado pelo local de moradia. Por exemplo, jovens de regiões mais ricas como o Sul e o Sudeste têm menos chances de serem nem-nem (12%) que os jovens de regiões menos desenvolvidas (18%). Esse contraste também aparece entre jovens que residem na área urbana (13%) e na área rural (22%). Além da perda de capital humano por não frequentar a escola, um dos custos de ser nem-nem é não trabalhar e, portanto, deixar de auferir renda e acumular experiência no mercado de trabalho. Esse custo de oportunidade da inatividade parece ser relevante, uma vez que os municípios nos quais os salários (médios) pagos aos jovens é relativamente maior têm uma parcela menor de nem-nem (12%) do que os municípios cujos jovens percebem uma remuneração menor (17%). Essas evidências indicam que a maior quantidade, diversidade e qualidade das oportunidades educacionais e de emprego para os jovens que vivem em locais mais desenvolvidos tende a estimular o maior engajamento dos jovens em atividades produtivas.

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Gráfico 4: Proporção de Jovens Nem-Nem (15-24 anos) por Características Socioeconômicas do Local de Moradia, 2015 – Em %

As evidências empíricas aqui apresentadas colocam apenas alguma luz sobre um conjunto de fatores que, isoladamente, influenciam a chance de um jovem estar na situação de nem-nem. Entender esse fenômeno, no entanto, requer um esforço muito mais profundo de pesquisa. Um dos caminhos para realizar essa empreitada é avaliar se e em que magnitude as políticas públicas são capazes de reduzir o desengajamento produtivo da juventude. Boas candidatas são as políticas (locais) de melhoria na qualidade da educação pública e de criação de mais e melhores oportunidades de emprego para os jovens.

Sugestões para Leitura

Camarano, A. A. (Org.) (2006). Transição para a Vida Adulta ou Vida Adulta em Transição?, Rio de Janeiro, Ipea

Corseuil, C. H., & Botelho, R. U. (2014). Desafios à Trajetória Profissional dos Jovens Brasileiros, Rio de Janeiro,Ipea.

deHoyos, Rafael; Rogers, Halsey; Székely, Miguel. 2016. Out of School and Out of Work: Risk and Opportunities for Latin America’s Ninis. World Bank, Washington, DC. World Bank. Acesse aqui

Monteiro, J. Quem São os Jovens Nem-Nem? Uma análise sobre os Jovens que Não estudam e Não Participam do Mercado de Trabalho. Texto de Discussão. FGV/ Ibre, n.34, setembro, 2013.

OECD (2016), Education at a Glance 2016: OECD Indicators, OECD Publishing, Paris.
DOI: http://dx.doi.org/10.1787/eag-2016-en

Sobre o Autor

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Miguel possui graduação em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1989) , mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1997) e doutorado em Economia pela Universidade Federal Fluminense (2007). Atualmente é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia dos Recursos Humanos, atuando principalmente nos seguintes temas: economia do trabalho, salário mínimo, pobreza, desigualdade e avaliação de programas sociais. Joana possui doutorado em Economia pela PUC-Rio (2013) e é pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) desde 2004. Atualmente trabalha na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do IPEA. Tem experiência em temas de economia do trabalho, economia da educação, avaliação de políticas e desigualdades sociais. Maíra possui mestrado em Economia pela Universidade Federal Fluminense (PPGE/UFF) e graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente é Assistente de Pesquisa no Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) e doutoranda do programa de pós-graduação em Economia da Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de Economia Social, atuando principalmente nos seguintes temas: economia do trabalho, juventude, educação e desigualdades sociais.

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