Ler de forma proficiente e crítica é fundamental em tempos de crise. Conheça algumas estratégias para melhorar a leitura

Por Maria Aparecida Mezzalira Gomes e Evely Boruchovitch

 

Neste momento difícil da pandemia de COVID-19, ler de forma adequada é mais importante que nunca, para interpretar as informações científicas sobre como se proteger do vírus, entre outras inúmeras demandas do momento. O objetivo deste texto é mostrar em que consiste a leitura proficiente e de que forma os professores devem agir para tornar seus alunos leitores fluentes e críticos. Ele contém orientações e estratégias para fortalecer a compreensão leitora em seus três momentos fundamentais: antes de ler, durante a leitura e após a leitura. O uso de estratégias de aprendizagem para apoiar nestes três momentos contribui sobremaneira para melhorar a capacidade de ler e para a constituição do leitor, proficiente, crítico e reflexivo.

 

O que fazem os bons leitores?

Observando o comportamento de bons leitores, pode-se notar o amor aos livros, a frequência e os cuidados que tomam ao se dedicar à leitura. O nível de conversação dessas pessoas é diferente da maioria: sabem discorrer facilmente por assuntos diversos e cativam seus ouvintes, que muitas vezes se sentem motivados a lerem obras sugeridas por elas. 

O que é preciso fazer de fato para ser um bom leitor?

Tornar-se um bom leitor pode ser uma meta para qualquer pessoa, mas para isso é necessário adotar alguns procedimentos. Em primeiro lugar, ter objetivos de leitura. De fato, pode-se ler: 1-para obter informações gerais ou específicas; 2-para conhecer as instruções de como jogar; 3-para aprender um conteúdo escolar”; 4- para aprofundar-se a respeito de algum assunto; 5- ou simplesmente para recreação. Diante de um mesmo livro, pode-se ter objetivos diferentes, tais como estudar determinado autor ou escola literária, conhecer costumes de determinada época, entre outros. Uma vez explicitados os objetivos, os procedimentos são os seguintes:

  1. Antes de ler, é necessário acessar os conhecimentos anteriores acerca do conteúdo de um texto. Quando se escolhe uma determinada obra, geralmente já se tem ou se deve-se buscar informações sobre ela: sobre o autor e a época em que foi escrita; sobre o tema ou assunto. Nossos conhecimentos ficam arquivados na memória de longo prazo e eles não são fixos e imutáveis. Pelo contrário, são construtivos; isto é, podem ser acessados e ativados para ser utilizados, completados ou modificados na memória de trabalho, num intuito de elaboração e reorganização. A partir da leitura, os novos conhecimentos podem ser integrados com maior proveito a esses conhecimentos prévios.
  2. Manusear o texto ou o “objeto livro”. Quando se escolhe um livro, deve-se examinar a capa e a contra capa; observar detalhes de edição e encadernação; as ilustrações, ler as orelhas. Se o livro for retirado espontaneamente da biblioteca, emprestado por alguém ou comprado numa livraria, geralmente a motivação para lê-lo se intensifica. Se o livro for digital, vale a pena percorrer algumas páginas, explorando as informações de autoria e o seu conteúdo, antes de empreender a leitura propriamente dita.

  3. Preparar a leitura. A maioria dos bons leitores executa esses procedimentos de modo rotineiro, mas o leitor iniciante deve fazê-lo conscientemente: a) escolher o melhor horário e um ambiente apropriado para ler, sem interrupções nem distrações; b) questionar-se acerca do conteúdo do livro, levantar hipóteses e fazer algumas previsões que o guiarão no decorrer da leitura. 

Durante a leitura, outros procedimentos são igualmente importantes porque  ler é um processo cognitivo e, como tal, exige estratégias de leitura que facilitem a compreensão, isto é, a organização e a elaboração mental constantes sobre o conteúdo lido. As estratégias de leitura são procedimentos cognitivos e metacognitivos tais como:

  • Inferir. Frequentemente o leitor encontra palavras, ou alguma passagem desconhecida, como, por exemplo, uma localidade e/ou costume dos quais nunca ouviu falar. Nesse caso, as possibilidades são: a) extrair um significado do contexto; b) buscar uma nota explicativa, um glossário, no próprio livro; c) em último caso, consultar um dicionário ou um atlas para esclarecer o sentido.
  • Monitorar a compreensão (estratégia metacognitiva). Em alguns momentos, o leitor pode ter dúvida acerca de uma informação ou perceber inconsistências no texto. Mesmo que isso não ocorra, pode questionar-se: Estou compreendendo o que acabei de ler? Em caso afirmativo, prossegue a leitura; em caso negativo, deve utilizar outras estratégias.
     
  • RelerPode-se reler o parágrafo, o início do capítulo ou procurar, nas páginas anteriores, a primeira referência e a informação sobre a localidade, o personagem ou a situação descrita. É normal e saudável esse ir e vir durante a leitura.
  • Questionar-se acerca dos seus objetivos e das suas previsões. O livro pode ser tão envolvente ou apresentar maior dificuldade do que se esperava, mas o leitor não pode perder-se no meio do caminho. Muitas vezes, é melhor fazer uma pausa para deixar a mente trabalhar sobre o conteúdo lido e confrontá-lo com os objetivos de leitura. Para obter melhores resultados, outras estratégias de aprendizagem, certamente, poderão ajudar:

    – Fazer grifos
    (se o livro lhe pertencer). No livro digital, essa opção pode ser possível, sem danificar o conteúdo do texto.– Fazer anotações escritas que podem ajudar ao final da leitura. Elaborar um resumo mental ou escrito de cada capítulo pode ser útil.– Questionar-se sobre a ou as ideias principais. Para isso é preciso saber selecionar o conteúdo relevante do irrelevante e do repetido.

Depois da leitura o processo cognitivo continua, de modo a auxiliar o leitor a construir um quadro mental e uma síntese do que foi lido, que se integrará aos conhecimentos prévios num processo de elaboração e organização, o qual poderá materializar-se com grande proveito em um mapa conceitual desenhado e/ou num resumo global da obra ou do texto.

É sempre bom lembrar que a leitura, além de proficiente, deverá ser crítica. O processo de leitura é uma interação entre leitor e autor por meio do texto e cada um desses interlocutores, que frequentemente são de épocas e contextos pessoais e sociais diversos,  trazem, para o ato de criação da obra, e para o ato de ler, suas intenções, sua visão de mundo, seus valores e suas experiências. Dessa forma, para cada leitor, o mesmo livro poderá despertar vivências e interpretações diversas; isto é, cada leitor constrói os sentidos para a sua leitura que ultrapassam o sentido literal do texto.

De fato, o sentido literal apreende apenas as informações superficiais e não utiliza mais que os conhecimentos básicos da formação das palavras, da estrutura das frases, da organização sintática e da semântica do texto. Infelizmente, muitos estudantes mal atingem esse nível ao final da Educação Básica. No entanto, numa cultura letrada, é necessário saber fazer uma leitura profunda e reflexiva do texto, interagindo não apenas com o autor e suas intenções, como também com outros textos presentes na multiplicidade de linguagens que permeiam a sociedade (intertextualidade).

Como formar leitores motivados, fluentes e críticos durante o processo de escolarização? Como abraçar este desafio em tempos de pandemia de COVID-19?

O processo de leitura, assim como todo aprendizado, envolve aspectos cognitivos, metacognitivos, motivacionais e afetivos, comportamentais. Ao ingressar no Ensino Fundamental, o estudante é muito dependente dos adultos, especialmente do professor. O ideal é que essa dependência inicial seja substituída, ao longo do processo de escolarização, por uma interdependência, sempre útil e necessária, mas que permita ao estudante assumir, deliberada e progressivamente, a responsabilidade pelos seus processos de aprendizagem.

Isso significa que o aluno deverá ter autoconfiança em sua capacidade de aprender; isto é, ter metas e objetivos de aprendizagem, conhecer e utilizar estratégias de aprendizagem e de leitura, planejar o ambiente e o tempo para o estudo, monitorar se está – ou não – aprendendo, regular seus pensamentos e sentimentos para manter a autoconfiança e boas expectativas de resultados, avaliar o seu desempenho para ajustar suas ações, quando necessário. Que ele não desanime por algum eventual fracasso e saiba retomar suas metas e objetivos de progresso.

Difícil? Sim, sem dúvida! Mas possível!

Essas capacidades e habilidades não surgem espontaneamente! São aprendidas e precisam ser ensinadas aos alunos pelo professor. O professor deve desenvolver procedimentos de trabalho que favoreçam, ensinem, orientem, estimulem os alunos para que eles possam tornar-se progressivamente mais autoconfiantes, autônomos e autorregulados. O ideal e desejável é que os professores assumam atitudes e comportamentos conscientes e autorregulados nos seus procedimentos de aprendizagem e de ensino.

Para que os estudantes desenvolvam a proficiência em leitura, é fundamental que os professores: 

    1. Sejam também bons leitores para que possam ajudar seus alunos e realizar um trabalho eficaz;
    2. Motivem e ofereçam aos alunos livros adequados a sua faixa etária. Quanto mais se lê, maior o gosto, a motivação, a fluência, na leitura; 
    3. Preparem o estudante para ler e compreender os diferentes tipos de texto;
    4. Despertem o interesse dos alunos para diferentes assuntos;
    5. Indiquem e motivem os estudantes para leituras, para vídeos e filmes relacionados com os conteúdos estudados;
    6. Respeitem a preferência por um determinado gênero textual de cada aluno;

Algumas recomendações adicionais para os novos tempos

Recomenda-se que os textos lidos na escola (não apenas nas aulas de Português) ou nos atuais encontros virtuais mediados pelas tecnologias digitais sejam trabalhados em profundidade para que os estudantes sejam leitores proficientes e críticos. Dependendo da duração do encontro, o texto não deve ser longo, porém, não pode ser fragmentado. O professor deve justificar a escolha do texto (objetivo da leitura) e apresentá-lo aos estudantes e estimulá-los para que verbalizem seus conhecimentos anteriores sobre o assunto. O professor pode falar sobreo autor e o tipo de texto que será lido, ou pedir que os estudantes o explorem e sejam orientados para perceber essas características. Pode estimulá-los a fazer perguntas sobre o texto ou elaborar hipóteses e previsões acerca do mesmo. Acredita-se que esses procedimentos favorecem também a interação e promovem a participação do aluno em encontros virtuais.

A seguir, a leitura poderá ser compartilhada, isto é, a cada parágrafo podem ser feitos comentários e demonstração de estratégias pelo professor ou pelos estudantes, resolver dúvidas acerca de alguma palavra ou passagem mais difícil; depois de alguns parágrafos poderá ser feita uma revisão ou resumo sobre o que já foi lido. Pode-se ensiná-los a utilizar as estratégias, como a de sublinhar o que é mais importante e, no final, ajudá-los a usar essas marcações para elaborar um resumo ou um mapa conceitual acerca do conteúdo do texto. Resumos, mapas conceituais ou outras propostas que possam ser produzidas para melhor compreender o que se leu, podem, por sua vez, também ser compartilhadas em outros encontros, motivando os alunos a participarem mais ativa e interativamente de sua aprendizagem.

Uma vez terminado o texto, é hora de recordar as perguntas iniciais e as previsões para verificar se foram respondidas e concretizadas. Outros questionamentos podem ser na direção de pensar no sentido mais geral e profundo do texto, as suas ideias principais, o que foi aprendido e que pode ser integrado ao que já sabiam anteriormente. Essas estratégias deverão ser ensinadas aos poucos, para que os procedimentos de bons leitores sejam aprendidos progressivamente e na prática. 

Ao longo da escolaridade, e nas diversas matérias do currículo os alunos terão oportunidade de ler diferentes tipos de textos, com complexidade crescente. As formas de trabalhar o texto com os alunos podem ser variadas e sempre com um objetivo bem explícito. Os alunos mais proficientes em leitura poderão auxiliar os colegas, em pares ou em pequenos grupos que podem ser constituídos mesmo de modo virtual; enfim, os procedimentos didáticos possíveis são diversos. 

Cumpre notar, que essa não é a única forma de trabalhar textos na escola, sobretudo nestes tempos difíceis. Para cumprir os objetivos de ensino, diversos textos podem ser utilizados pelos professores, dentro e fora da sala de aula ou dos encontros. Além disso, devem ser comentados e sugeridos diferentes tipos de leitura aos estudantes, como também filmes, e outras formas de linguagem para despertar interesses e motivá-los a ampliar sua cultura e desenvolver atividades prazerosas de lazer.  Na preparação para a leitura é, portanto, necessário ao leitor distinguir o tipo de estrutura predominante no texto para direcionar a leitura e avaliar a coerência e coesão do mesmo. Na estrutura narrativa, deve-se atentar para os seguintes elementos constitutivos: a) um ou mais personagens; b) a sucessão de acontecimentos num tempo, nem sempre linear, e num espaço; c) a integração dos fatos e comportamentos numa causalidade narrativa; d) o desfecho.

 A estrutura descritiva deriva de um procedimento de ancoragem ou tema-título (objeto, pessoa, animal, localidade) na qual são abundantes os adjetivos, neutros ou valorativos, as definições, de modo a revelar as qualidades e as propriedades de um todo. Frequentemente, encontram-se aspectos descritivos nas estruturas narrativas. A estrutura argumentativa, e, igualmente a explicativa, é baseada no raciocínio dedutivo (do geral para o particular) ou indutivo (do particular para o geral), com a apresentação de proposições baseadas em dados, em argumentos e razões com o objetivo de influenciar opiniões, atitudes e comportamentos das pessoas para que aceitem um enunciado (uma conclusão). É importante que os estudantes reconheçam esses argumentos e sejam capazes de julgar a sua força,  validade e veracidade.

Para compreender e ser capaz de uma análise mais crítica, o leitor deve ter certa maturidade e experiência. Os debates e os julgamentos, bem orientados pelo professor, podem ser muito interessantes para trabalhar temas de interesse dos estudantes. A maioria dos textos contém mais de uma estrutura: uma letra de música pode ser descritiva e conter versos opinativos; na publicidade encontram-se elementos descritivos e argumentativos; um conto, predominantemente narrativo, pode trazer diversos aspectos descritivos; num jornal encontram-se textos com essas diversas estruturas

Para extrair informações de um texto é importante ensinar o leitor a se questionar acerca de: quem fez o quê? Onde? Quando? Como? Quanto? Quais são as implicações?

A seguir um quadro síntese das estratégias de aprendizagem que apoiam os 3 momentos da leitura: o antes, o durante e o depois.

 

Estratégias de Leitura
Antes da leitura

  • Pré-leitura.
  • Ativar os conhecimentos prévios. 
  • Prever, antecipar. 
  • Autoquestionar-se.

 

Durante a leitura

  • Testar as hipóteses iniciais.
  • Sublinhar.
  • Reler.
  • Fazer inferências.
  • Identificar as ideias principais.
Depois da leitura

  • Autoquestionar-se.
  • Problematizar.
  • Rever o texto.
  • Resumir. 
  • Organizar e representar a informação.


Enfim, a compreensão leitora é um tema muito importante, sobretudo neste momento de pandemia, em que muitas atividades escolares e acadêmicas geram demandas maiores de leitura por parte dos estudantes. Certamente o presente texto não pretende esgotar o assunto. Espera-se ter provido a educadores e outros interessados no tema informações que possam auxiliá-los na promoção da leitura proficiente, crítica e reflexiva. Tem-se também a expectativa de que este texto possa ser valioso para o fomento da compreensão leitora, no dia a dia normal da sala de aula.

 

Sugestões para Leitura

Boruchovitch, E., & Gomes, M.A.M. (Orgs). (2019). Aprendizagem autorregulada: como promovê-la no contexto educativo? Petrópolis, R.J., Editora VOZES Ltda.

Gomes, M. A. M. (2008). Compreensão Autorregulada em Leitura: Procedimentos de intervenção. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas- SP, Brasil.

Gomes, M.A.M. & Boruchovitch, E. (2013). Leitura e compreensão: contribuições da psicologia cognitiva e da teoria do processamento da informação. In: M.P. E. da Mota & A. Spinillo. (orgs), A. Compreensão de textos. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Gomes, M. A. M., & Boruchovitch, E. (2014). Promovendo a motivação para a leitura: Contribuições para pais, professores e educadores. In: G. C. Oliveira; L. D. T. Fini; E. Boruchovitch; R. P. Brenelli. (Orgs). Educar crianças, grandes desafios: Como enfrentar? (pp.132-149). Petrópolis, RJ: Editora Vozes.

Kleiman, A. B. (2007) Texto & Leitor – Aspectos cognitivos da leitura. 10ª edição. Campinas, Pontes.

Koch, I. V.& Elias V. M. (2014). Ler e compreender os sentidos do texto. 3ªed. São Paulo: Ed. Contexto.

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