As políticas educacionais e as práticas pedagógicas são sempre de alto risco, intuitivas ou ideológicas
Por Roberto Lent
Fora os negacionistas mais obscuros, os brasileiros entendem a necessidade da ciência de interagir com todas as atividades sociais. Não é mais questão de opção. É uma necessidade vital à sobrevivência humana, social e planetária, que, no entanto, depende da ousadia estratégica dos políticos. Aí mora o problema. Como construir o futuro de um país com um Orçamento aprovado pelo Congresso que corta da educação e da ciência e destina o triplo a emendas parlamentares?
O Brasil tem experiências bem-sucedidas de transversalidade da ciência. Temos um ensino superior que inclui fortemente a pesquisa — dos temas fundamentais até os que geram tecnologias e produtos. Criamos instituições fortes e transversais para saúde (Fiocruz), agricultura (Embrapa), ambiente (Inpe) e outras. Para isso, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação se associa aos da Saúde, Agricultura e Meio Ambiente, lançando editais transversais de pesquisa nessas interfaces, para depois colher os resultados. Quer dizer: quando há dinheiro…
Isso ocorre no âmbito do Poder Executivo, sob tremores que a nossa democracia ainda não conseguiu superar. Espanta, no entanto, que a transversalidade não alcance a educação, embora esta seja uma das áreas mais importantes para garantir o progresso e o futuro. Acaso existem editais que unam pesquisadores e professores em torno de temas inovadores de educação? Há iniciativas de pesquisa que ofereçam segurança às medidas tomadas pelo MEC? Será que a eficácia do Programa Pé-de-Meia é avaliada com metodologias rigorosas que a ciência proporciona? Ou baseadas em evidências científicas no contexto brasileiro? Torcemos para que essas políticas educacionais deem certo, mas isso pode acontecer ou não. É uma pura aposta na sorte.
O resultado é que as políticas educacionais e as práticas pedagógicas são sempre de alto risco, intuitivas ou ideológicas. Não conseguimos acelerar os indicadores educacionais a um ritmo que nos garanta ao menos cumprir os objetivos sustentáveis da ONU para a Educação (ODS 4). O fomento e a execução de projetos de pesquisa multidisciplinares dirigidos a temas educacionais já têm sido reconhecidos por alguns países e entidades globais, como a Unesco. É o caso dos 200 pesquisadores e 600 professores brasileiros que mantêm, há dez anos, uma Rede Nacional de Ciência para a Educação, com sede de interagir e trabalhar juntos para plantar essa semente de pesquisa translacional para a educação no Brasil.
Não bastam medidas óbvias e necessárias, é preciso descobrir novos caminhos. A ciência tem de interagir com a educação. Juntas, podem salvar o futuro, mas só se forem consideradas uma prioridade do presente. Sem cortes orçamentários, pelo amor de Deus!
*Roberto Lent, professor emérito da UFRJ, é pesquisador do Instituto D’Or e coordenador-geral da Rede Nacional de Ciência para Educação
** Texto originalmente publicado no jornal O GLOBO em 14/4/2025.
Deixe um comentário