Por Cíntia Alves Salgado Azoni, professora do Departamento de Fonoaudiologia da UFRN e pesquisadora associada à Rede CpE
A alfabetização é uma habilidade fundamental para o desenvolvimento pessoal, acadêmico e social. Nas últimas décadas, um conjunto crescente de evidências científicas tem demonstrado quais práticas são mais eficazes para ensinar crianças a ler e escrever. Essas evidências têm orientado políticas públicas e práticas pedagógicas em diferentes países, embora a incorporação desses conhecimentos na realidade escolar ainda enfrente desafios significativos, especialmente no Brasil.
Diversos países desenvolvidos como Estados Unidos, França, Inglaterra e Austrália têm revisado suas políticas educacionais com base em estudos longitudinais, revisões sistemáticas e meta-análises, evidenciando que o processo de alfabetização se apoia fortemente em componentes linguísticos específicos.
Entre os principais achados da ciência cognitiva da leitura, destacam-se a importância da consciência fonológica, do conhecimento do princípio alfabético com base na instrução fônica, do vocabulário, da fluência e compreensão leitura. Esses elementos compõem a base da instrução sistemática e explícita em leitura.
No Brasil, embora haja avanços significativos na pesquisa acadêmica sobre alfabetização, a transposição do conhecimento científico para a prática educacional ainda é um desafio. Parte disso se deve à fragmentação entre pesquisa, formação docente e políticas públicas, baseadas em evidências robustas.
Nos últimos anos, no entanto, tem havido um movimento crescente de olhar e valorizar a alfabetização baseada em evidências científicas no Brasil. Com base nos relatórios internacionais, em 2020 o Relatório Nacional de Alfabetização (RENABE) lançado pelo Ministério da Educação, buscou agregar evidências científicas a partir dos princípios de instrução estruturada e sistemática. Além disso, grupos de pesquisa brasileiros têm contribuído para a adaptação e validação de instrumentos de avaliação da leitura e da escrita, bem como para a produção de materiais formativos baseados em evidências.
Entre as práticas com maior suporte científico, destacam-se: o ensino explícito da relação entre grafemas e fonemas (decodificação), o uso de atividades de consciência fonológica desde a educação infantil, a leitura em voz alta com mediação do adulto e o ensino do vocabulário em contextos significativos. Essas estratégias, quando aplicadas de forma planejada e consistente, favorecem a aprendizagem da leitura por todas as crianças, inclusive aquelas em risco de dificuldades ou com transtornos específicos, como a dislexia.
Em síntese, as bases científicas da alfabetização, no Brasil e no mundo, convergem para a importância de práticas sistemáticas, estruturadas e sensíveis ao desenvolvimento linguístico das crianças, considerando as diferentes facetas deste processo para o avanço das políticas públicas. A valorização das evidências não significa uma pedagogia rígida ou desumanizada, mas sim o compromisso ético com o direito de todas as crianças de aprender a ler com qualidade a partir do que mundialmente já está estabelecido. O desafio atual está em garantir que esse conhecimento se traduza em ações concretas nas salas de aula, respeitando as especificidades dos contextos locais e promovendo uma alfabetização equitativa e eficaz.
Referências:
Relatório Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências [recurso eletrônico] / organizado por Ministério da Educação – MEC ; coordenado por Secretaria de Alfabetização – Sealf. – Brasília, DF : MEC/Sealf, 2020.
National Reading Panel. (2000). Teaching children to read: An evidence-based assessment of the scientific research literature on reading and its implications for reading instruction (NIH Publication No. 00-4769). National Institute of Child Health and Human Development. https://www.nichd.nih.gov/sites/default/files/publications/pubs/nrp/Documents/report.pdf
National Report on Schooling in Australia (2023). https://dataandreporting.blob.core.windows.net/anrdataportal/ANR-Documents/nationalreportonschoolinginaustralia_2023.pdf
Direction de l’évaluation, de la prospective et de la performance. (2024). L’état de l’École 2024: 35 indicateurs sur le système éducatif français. Ministère de l’Éducation nationale et de la Jeunesse. https://www.education.gouv.fr
Murad MH, Asi N, Alsawas M, Alahdab F. New evidence pyramid. Evid Based Med. 2016 Aug;21(4):125-7. doi: 10.1136/ebmed-2016-110401. Epub 2016 Jun 23. PMID: 27339128; PMCID: PMC4975798.
SARGIANI, Renan (org.). Alfabetização baseada em evidências: da ciência à sala de aula. Porto Alegre: Penso, 2022. 288 p. ISBN 978-6559760084
Deixe um comentário