Como o DYSCORP une linguagem, cérebro e tecnologia para auxiliar no ensino da leitura no Brasil
A ciência da leitura tem muito a dizer e o DYSCORP quer garantir que essas descobertas saiam dos laboratórios e cheguem às salas de aula.
Por Aline Fay de Azevedo, Aline Pacheco e Aline Evers
Você já parou para pensar como a ciência da leitura pode transformar a vida de quem enfrenta dificuldades em aprender a ler e escrever? Entre diagnósticos crescentes de dislexia[1] e a urgência de práticas pedagógicas mais inclusivas, uma boa notícia vem do encontro entre tecnologia, linguagem e cérebro: o DYSCORP, o Dyslexia Corpus (Pacheco, Evers, Azevedo, 2025).
O projeto nasceu da ideia das três Alines (Pacheco, Evers e Azevedo, Fay) dentro do grupo NeuroEdTechLab (@neuroedtech_lab), e tem uma missão um tanto ambiciosa, mas necessária: criar o primeiro banco de dados sobre dislexia com falantes de português brasileiro. Pode parecer simples, mas traz um avanço importante. Afinal, até hoje, os bancos de dados existentes sobre o tema trazem informações de pessoas que falam inglês, espanhol, árabe ou dinamarquês, nenhuma delas representa a complexidade da língua portuguesa.
O DYSCORP parte de um princípio das Humanidades Digitais: dados abertos e colaboração interdisciplinar. É o tipo de inovação que acontece quando linguistas, neurocientistas, fonoaudiólogos, psicólogos e pedagogos trabalham juntos.
O ponto de partida do DYSCORP é o Projeto ACERTA https://inscer.pucrs.br/br/projeto-acerta, do Instituto do Cérebro – InsCer – https://inscer.pucrs.br/. O ACERTA investigou o desenvolvimento da leitura em crianças em fase de alfabetização, identificando preditores de dificuldades e transtornos de aprendizagem. Parte dos materiais coletados, textos e listas de palavras, agora ganha nova vida como base de dados linguística, organizada segundo os critérios da Linguística de Corpus (Pacheco et al,2023). A proposta é organizar e analisar listas de palavras lidas e escritas por pessoas com dislexia, identificando erros típicos e mais recorrentes, como por exemplo: inversões, omissões ou trocas de letras, visando compreender melhor os padrões linguísticos do transtorno.
Mas não se trata só de pesquisa acadêmica. A meta é muito mais ampla: construir ferramentas práticas para educadores e profissionais da saúde. Planejamos desenvolver um aplicativo baseado nesse banco de dados, capaz de auxiliar no pré-diagnóstico precoce e no acompanhamento personalizado de estudantes com dislexia. Um exemplo concreto de como a tecnologia educacional (EdTech) pode ser usada para inclusão real.
Mas por que isso importa? Porque compreender os padrões linguísticos da dislexia é entender o que está por trás dos “erros” e transformá-los em pistas para o ensino. Quando professores sabem que trocas como “vaca” por “faca” não são descuido, mas um padrão fonológico recorrente, podem adaptar suas práticas com base em evidências. E quando a escola e a ciência falam a mesma língua, quem ganha é o aluno.
Em um país onde o número de crianças de 6 e 7 anos que não sabiam ler ou escrever aumentou mais de 60% entre 2020 e 2021 (Azevedo e Buchweitz, 2024; Azevedo, 2025), a urgência por soluções baseadas em ciência é evidente. O DYSCORP aposta justamente nisso: no poder dos dados para humanizar o ensino. Ao abrir seu banco de dados ao público, o projeto pretende inspirar novas pesquisas, aplicativos e materiais pedagógicos adaptados, todos gratuitos e acessíveis.
Mais do que um corpus linguístico, o DYSCORP é um convite. Um convite para que educadores e neurocientistas unam forças e transformem a maneira como enxergamos (e ensinamos) a leitura. Afinal, quando a tecnologia é guiada pela empatia e pelo conhecimento científico, a inclusão deixa de ser promessa e passa a ser prática.
Sobre as autoras
Aline Pacheco, Aline Evers e Aline Fay de Azevedo são pesquisadoras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e integrantes do grupo NeuroEdTechLab (@neuroedtech_lab). Suas pesquisas integram Linguística, Neurociência e Tecnologia, com foco em leitura, dislexia e inovação educacional.
Aline Fay de Azevedo é pesquisadora associada da Rede CpE e foi a coordenadora do VIII Encontro Anual da Rede- Região Sul.
Para ler o artigo na integra, acesse:
https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/revista/article/view/2016/1475
Referências
Azevedo, Aline Fay; Buchweitz, Augusto. Graphogame e a Neurobiologia da Leitura In: Fonologia e Ensino: Descobertas e Interfaces, ed.1. São Paulo: Editora da Abralin, 2024, v.1, p. 1 – 403.
Azevedo, Aline Fay. Evidências científicas da Neurobiologia da Leitura In: Literacia e Biliteracia: da teoria à Prática, ed.1. Campinas-SP: Pontes, 2025, v.1, p. 89 – 121.
Pacheco, Aline. et al. Using corpus linguistics to create tasks for teaching and assessing Aeronautical English. Applied Corpus Linguistics, [s. l.], v. 3, n. 3, 2023.
Pacheco, Aline.; Evers, Aline; Azevedo, Aline Fay. Inovação, Tecnologia e Inclusão: Corpora aplicados ao estudo da dislexia e a proposta do DYSCORP (Dyslexia Corpus). Revista da ANPOLL. Fator de Impacto (2024 JCR): 0,1000, v.56, p.1 – 16, 2025.
[1] A dislexia é um transtorno específico de aprendizagem de origem neurobiológica, caracterizada por dificuldades no reconhecimento preciso e/ou fluente de palavras e por dificuldades na ortografia e decodificação (IDA, 2002).

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