Em famílias mais pobres, pequenas diferenças de renda estão associadas a grandes alterações na extensão cortical

A pobreza é a esfinge que encara nosso progresso desenfreado com a urgência dos 7 bilhões de habitantes da Terra: decifra-me ou te devoro… Pobreza material quase sempre causa pobreza cultural, que por sua vez pode instalar-se mesmo na relativa abundância de bens materiais. Há muito suspeita-se que a pobreza prejudique o desenvolvimento cerebral. A hipótese acaba de ser corroborada por um estudo sobre a relação entre fatores socioeconômicos e morfometria cerebral, numa amostra de 1.099 indivíduos entre 3 e 20 anos de idade. Foi encontrada uma relação logarítmica entre renda familiar e extensão do córtex cerebral: em famílias pobres, pequenas diferenças de renda foram associadas com grandes diferenças de extensão cortical, o que não ocorreu em famílias ricas. Os maiores efeitos foram encontrados em regiões relacionadas à linguagem, leitura, funções executivas e habilidades espaciais, todas essenciais ao aprendizado escolar. Esses resultados, publicados na revista Nature Neuroscience, ajudam a elucidar de que forma o azar de nascer pobre torna-se destino transgeracional.

Quando falta comida o desenvolvimento cerebral se dá em detrimento do crescimento corporal, mas a mera ingestão calórica não garante a saúde do sistema nervoso. Dietas ricas em amido, comuns entre os mais pobres, não fornecem lipídeos essenciais para a comunicação sináptica. A boa nutrição da gestante e o aleitamento materno nos primeiros 6 meses são cruciais para a maturação adequada do cérebro. A amamentação pode e deve persistir depois dos 6 meses, pois além da alimentação ela provê a mais importante estimulação psicossocial que um bebê pode receber. Quando bem cuidado no início da vida, o filho do pobre tem chance de escapar ao seu destino. Mas as carências que precisará superar são muitas: pouco tempo de qualidade com os pais, baixa estimulação sensorial e motora, reduzida oportunidade de leitura. Em ambiente tão adverso, se tornam determinantes as variações genéticas que predispõem a problemas como a dislexia.

Pesquisadores da Universidade de Jyväskylä acompanham desde 1993 o desenvolvimento de 100 crianças finlandesas com alto risco de dislexia, por terem pais disléxicos que possuem algum parente próximo com dislexia. Quando bebês, respostas cerebrais para sons da fala puderam prever a capacidade de leitura em idade escolar. Ao final do segundo ano primário, os filhos de pais disléxicos tiveram 4 vezes mais chance de se tornarem disléxicos do que os filhos de pais não disléxicos. Entre os fatores ambientais, a leitura compartilhada com os pais foi a variável que melhor previu o sucesso no desenvolvimento linguístico. Jogos eletrônicos para treinar conexões entre fonemas e grafemas se mostraram eficazes no tratamento da dislexia.

Tais estudos representam uma nova ciência do aprendizado, capaz de combinar psicologia, neurobiologia, fisiologia, computação e muitas outras disciplinas para otimizar e fundamentar a pedagogia. De 5 a 6 de julho de 2015 será realizado no Rio de Janeiro um Simpósio Internacional sobre Ciência para Educação. Uma oportunidade importante para discutir como mudar nosso destino.

Este artigo foi originalmente publicado na edição de maio de Mente e Cérebro 2015, que pode ser adquirida na Loja Segmento.

Sobre o Autor

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Neurobiólogo, diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e professor titular da UFRN.

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