Colunista mostra como a inteligência artificial pode auxiliar no ensino com abordagens mais personalizadas e que garantem maior acesso à educação

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Um dos gargalos para a redução da desigualdade social é a ausência de oportunidades iguais para todos. Essa falta de oportunidades tem várias origens e consequências, que se misturam e incluem acesso a moradia, segurança, ambiente familiar e serviços de educação, saúde, transporte e opções de lazer.

Embora as causas e consequências sejam várias, a educação permeia praticamente todas elas, principalmente na educação infantil e no ensino fundamental e médio. A falta de uma educação de qualidade e a dificuldade de acesso à educação não só limitam as oportunidades profissionais de milhões de brasileiros, mas refletem negativamente nas relações pessoais, na prevenção e no tratamento de problemas de saúde, na proteção ao meio ambiente, na escolha dos representantes e na defesa dos direitos dos cidadãos.

Dentre os vários campos do saber que podem ajudar a virara esse jogo, está a computação, mais especificamente uma área da inteligência artificial denominada aprendizado de máquina.

Aprendizado de máquina é uma área da computação, com forte iteração com a estatística, a física e a matemática aplicada, que busca incluir nos computadores a capacidade de aprender.

Até poucos anos atrás, na maioria das vezes em que o computador era utilizado para realizar alguma tarefa, um programador precisava definir passo a passo como essa tarefa deveria ser realizada, em uma linguagem de programação, que para a maioria das pessoas era mais complicada que chinês ou russo. E mais, o programador deveria ser muito preciso, evitando ambiguidades, senão o resultado poderia ser desde um programa inútil a um programa catastrófico. Vários acidentes graves e enormes prejuízos financeiros ocorreram por causa de erros de programação.

As técnicas de aprendizado de máquina permitem que o computador aprenda a realizar tarefas, praticamente por si só, tendo acesso a exemplos – mais ou menos como nós aprendemos a reconhecer pessoas na multidão, identificar uma melodia no seu início, reconhecer um prato de bom sabor, além de ler e fazer contas. Mas, fora o fato de o computador aprender, o que isso tem a ver com educação? Já chego lá.

Não sei se você já parou para pensar, mas cada assunto de cada disciplina na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio ensinado está sendo ensinado milhares de vezes ao mesmo tempo no país, e repetido ano a ano. A forma como cada professor ensina é diferente e cada aluno pode aprender melhor quando um assunto é ensinado de uma dada maneira. Com isso os professores podem se dedicar a fazer ainda melhor o que já fazem bem, gerando aulas que podem ser disponibilizadas para qualquer aluno não importa onde ele esteja, além de permitir atualização e reciclagem.

Cada pessoa é diferente e isso é uma das riquezas da humanidade. Ninguém é mais ou melhor que ninguém, só diferente. Cada pessoa tem mais facilidades para algumas tarefas e mais dificuldade para outras. O mesmo vale para educação. Cada pessoa aprende mais facilmente um dado grupo de assuntos que outro. Ainda mais, cada pessoa aprende melhor quando o assunto é ensinado de uma forma ou sequência diferente. E é aí que entra o aprendizado de máquina.

Ensino personalizado

O aprendizado de máquina permite a oferta de um ensino personalizado. Uma técnica de aprendizado de máquina pode aprender qual a melhor forma e sequência de disponibilizar conteúdo a cada aluno, com profundidades e cobranças diferentes. Para isso ele aprende a partir da iteração de vários alunos com perfis, facilidades e deficiências diferentes. Ele aprende que um aluno com um perfil X vai ter um rendimento melhor com uma forma de ensino Y.

Técnicas de aprendizado de máquina podem oferecer ainda uma experiência dinâmica de ensino. A partir de avaliações do desempenho do aluno, o aprendizado de máquina define a melhor sequência de assuntos, forma e profundidade como eles devem ser abordados. As técnicas de aprendizado de máquina podem com isso tornar a atividade de ensino mais desafiadora e prazerosa ao aluno.

O uso de técnicas de aprendizado de máquina reduz o custo da educação, facilita a tarefa de professores e permite que esses recursos e benefícios possam ser oferecidos de forma simultânea a alunos em qualquer local que tenha uma conexão com a internet, em qualquer hora do dia.

Finalmente, técnicas de aprendizado de máquina podem aprender a partir de dados de perfis e desempenhos de milhões de alunos, de diferentes condições sociais e distribuídos por todo o país. Assim é possível identificar o que está funcionando bem, oportunidades para funcionar melhor e o que tem que ser melhorado no ensino, de modo a proporcionar oportunidades mais semelhantes e reduzir a desigualdade social do país, permitindo ainda um salto qualitativo em outras áreas sociais.

O aprendizado de máquina está sendo utilizado em várias plataformas de ensino online, as MOOCs (do inglês Massive Open Online Courses). As três principais plataformas para MOOCs, Coursera, edX e Udacity, foram criadas por pesquisadores da área de Inteligência Artificial, do MIT e das Universidades de Stanford e de Harvard.

Existe ainda uma área de aprendizado de máquina chamada de autoML, que pesquisa como o aprendizado de máquina pode aprender a melhor forma de utilizar aprendizado de máquina. Esse “aprendizado do aprendizado der máquina” pode ser utilizada para aprender como recomendar a melhor técnica de aprendizado de máquina para modelar a forma de aprendizado de um dado aluno. Contamos também com o aprendizado automático, em que uma técnica de aprendizado de máquina aprende a melhor utilizar o aprendizado de máquina: é o aprendizado do aprendizado.

Iniciativas no Brasil

No Brasil existem vários grupos que pesquisam o uso de aprendizado de máquina para mineração de dados educacionais, que é a extração de conhecimentos novos e relevantes relacionados à educação. Várias dessas pesquisas deram origem a ferramentas de ensino. Na Universidade de São Paulo, em particular, existem grupos de pesquisas em diferentes campi, com a participação de pesquisadores das áreas de Ensino e de Computação.

Um dos problemas que estão sendo investigados na Universidade de São Paulo (USP) é o uso de técnicas de aprendizado de máquina para previsão de evasão de alunos em disciplinas do curso de Ciências da Computação. Dados passados com perfis de rendimentos e evasão de alunos são utilizados para aprender um modelo capaz de predizer quando um aluno está preste a abandonar o curso, permitindo que medidas preventivas possam evitar a evasão. Estudos similares podem ser utilizados também para recomendar a alunos as disciplinas a serem cursadas, identificando aquelas cujo conteúdo programático esteja mais de acordo com as disciplinas já cursadas pelo aluno.

Concluindo, apesar do quadro negativo e preocupante da educação do país, os novos conhecimentos e tecnologias computacionais podem ajudar ao país se tornar mais justo e inclusivo, não deixando ninguém para trás.

 

Sugestões para Leitura

B. Kotsiantis. 2012. Use of machine learning techniques for educational proposes: a decision support system for forecasting students’ grades. Artif. Intell. Rev.37, 4 (April 2012), 331-344.

A. M. Shahiri, W. Husain, N. A. Rashid, A Review on Predicting Student’s Performance Using Data Mining Techniques, In Procedia Computer Science, Volume 72, 2015, Pages 414-422, ISSN 1877-0509

Frías-Blanco, I., A. C. P. L. F. de Carvalho. Máquinas que aprendem: o que nos ensinam?. EmLent, Robert; Buchweitz, Augusto; Mota, Mailce Borges. (Org.). Ciência para Educação: uma Ponte entre Dois Mundos. 1ed.Rio de Janeiro: editora Atheneu, 2017, v. 1, p. 237-249.

https://www.openeducationeuropa.eu/en/blogs/what-machine-learning-and-why-it-important-education

Sobre o Autor

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Professor titular do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (USP), campus São Carlos, onde é diretor do centro de Aprendizado de Máquina em Análise de Dados e vice-diretor do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas a Industria, ambos da USP. Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1A do CNPq, possui graduação (1987) e mestrado em Ciências da Computação (1990) pela Universidade Federal de Pernambuco, e doutorado em Electronic Engineering pela University of Kent at Canterbury (1994). Seus principais interesses de pesquisa são Aprendizado de Máquina, Mineração de Dados e Ciência de Dados. É membro do comitê diretivo do capítulo da América Latina e do Caribe da International Network for Government Science Advice (INGSA).

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