Pesquisadora associada da Rede CpE e da Fundação Getúlio Vargas, Claudia Costin alerta em artigo para o jornal O Globo o que já está ocorrendo com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que será realizado nos dias 21 e 28 de novembro.

(Artigo publicado em 14 de novembro no jornal carioca O Globo)

SÃO PAULO – Acompanho o Enem desde sua criação, em 1998, pelo então ministro Paulo Renato, inicialmente como um instrumento para avaliar a aprendizagem dos alunos do ensino médio. No mesmo período, iniciou-se o processo de transformação do Inep na instituição que viria a ser respeitada internacionalmente pelo profissionalismo de seu corpo técnico e por sua competência em prover as estatísticas, análises e avaliações necessárias à formulação da política educacional no Brasil.

Nos anos que se seguiram, o Enem incorporou novos e importantes papéis, especialmente quando, com a criação do Sisu, o Sistema de Seleção Unificada, tornou-se uma porta de entrada para instituições de ensino superior, favorecendo uma crescente inclusão de alunos de famílias menos afluentes no ainda excludente sistema universitário brasileiro.

A operação do Enem demanda grande perícia, não apenas em sua formulação, como na aplicação e correção da prova. Afinal, é o segundo maior exame de acesso ao ensino superior do mundo.

E aí é que o que vem ocorrendo no Inep preocupa: não é fácil desconstruir a instituição, mas se isso ocorrer, o impacto nas perspectivas dos jovens brasileiros que desejam entrar no ensino superior será imenso.  Não imagino que o Enem seja adiado a estas alturas, já que as questões já foram preparadas, o material impresso e a logística definida. Mas o impasse, resultante de uma visão equivocada que despreza o saber técnico e enxerga desafios de implementação de políticas públicas sob a lente de “guerras ideológicas” ou interesses mesquinhos, persiste.

Há dois aspectos a temer neste Enem e uma parte deles já estava presente antes do episódio mais recente na crise instalada: o reduzido número de inscritos, comparado às edições anteriores, e a perda de credibilidade da instituição e, portanto, do próprio exame.

No primeiro caso, isso resultará, combinado com a edição realizada no início de 2021, com casos de Covid-19 em alta e escolas fechadas por quase um ano letivo inteiro, em grande redução do número de alunos com acesso ao ensino superior. É bom lembrar que o isolamento social aprofundou as desigualdades educacionais pré-existentes no país.

No segundo, há o risco do abandono de uma trajetória virtuosa, construída ao longo dos anos, por diferentes governos, de monitoramento e avaliação competentes da educação básica e superior. E isso não será fácil de se recriar!

 

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