Neurocientista defende que a mudança em curso poderia contemplar uma grade horária flexível, que favorecesse períodos apropriados de sono para os alunos
A reforma do ensino médio sancionada pelo presidente Temer no dia 16 de fevereiro apresenta pontos positivos e negativos. O principal problema é que aqueles que mais entendem do assunto não foram ouvidos: os professores. Esta limitação, aliada ao risco da rede pública não conseguir oferecer os mesmos itinerários formativos que a rede privada, ampliando as desigualdades já existentes, justifica a reação negativa de diversos setores da sociedade à reforma. Por outro lado, é possível vislumbrarmos oportunidades de mudanças extremamente positivas. Levantarei apenas um aspecto, relacionado ao nosso tema de pesquisa, a organização temporal da escola visando a preservação do sono.
O aumento da carga horária, com a adoção do tempo integral, é uma oportunidade única para as escolas fazerem o que o mundo corporativo já faz há muito tempo, a flexibilização dos horários. O conhecimento que acumulamos nas últimas décadas a respeito das necessidades de sono de crianças e adolescentes e de sua importância para a aprendizagem é suficiente para afirmarmos que não faz sentido todos os alunos serem obrigados a iniciar suas atividades às sete horas da manhã, indo contra o relógio biológico de muitos deles e prejudicando sua carga diária de sono. Nossas pesquisas e de outros estudiosos mundo afora indicam que o sono tem papel fundamental na consolidação das memórias e no aprendizado. Experimentos de laboratório têm demonstrado que uma pessoa que não dormiu bem à noite estará pouco apta ao aprendizado.
Uma parcela dos alunos, particularmente os adolescentes, não consegue suprir suas necessidades de sono tendo que acordar às seis horas da manhã (em alguns casos bem antes disso). Por outro lado, há aqueles que conseguem fazer isso sem maiores prejuízos. Estas diferenças ocorrem não apenas pelo desenvolvimento de rotinas mais ou menos adequadas, mas devido a características dos chamados relógios biológicos, algumas delas herdadas. Como o atraso no horário de início das aulas, medida adotada com sucesso em diversos países como os EUA e a Inglaterra, gera transtornos à comunidade escolar (transporte, por exemplo) e, muitas vezes, entra em conflito com horário de trabalho dos pais, a flexibilização é o caminho.
Em uma situação hipotética de sete horas diárias de permanência na escola, alunos que preferem iniciar os estudos às 7h saem às 14h. Os que preferem entrar mais tarde, às 9h, por exemplo, permanecem até às 16h. Quando apresento esta ideia para gestores escolares, a primeira reação é de rejeição, argumentam que não é possível, pois os alunos têm que permanecer junto com sua classe e, além disso, os custos seriam aumentados. Não vejo como a flexibilização prejudicaria esta organização.
No meu exemplo, os alunos poderiam permanecer juntos das 9h às 14h, tempo suficiente para o trabalho dos conteúdos comuns previstos na Base Nacional Curricular Comum. Das 7h às 9h e das 14h às 16h, os alunos trabalhariam os conteúdos optativos. O argumento do aumento do custo não faz sentido. O atendimento de 100 alunos das 7h às 9h é semelhante ao de 50 alunos das 7h às 9h e mais 50 das 14h às 16h. Esta flexibilização poderia inclusive reduzir o problema de disponibilidade de espaço enfrentado por muitas escolas.
Por maiores que sejam as críticas que temos à reforma, não podemos perder a oportunidade de realizar mudanças que trarão benefícios aos alunos. Não temos mais tempo a perder.
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