Pesquisador britânico aposta na neuroeducação, interação entre neurociência e educação, como forma de desenvolver métodos de aprendizado mais eficazes que podem passar pelo uso de ferramentas como modelagem computacional e pelo maior entendimento do funcionamento do cérebro

por Sofia Moutinho

O diálogo entre a educação e a neurociência é possível e deve envolver múltiplos atores, como neurocientistas, educadores, psicólogos e cientistas da computação. Essa é ideia do pesquisador Michael Thomas, professor de neurociência cognitiva e diretor do Centro de Neurociência Educacional na Universidade de Londres, que esteve no Brasil como palestrante do módulo da Rede CpE no IV Simpósio Fronteiras da Neurociência (22 a 25 de outubro).

A pesquisa de Thomas se concentra nas conexões entre neurociência e educação com foco no potencial de translação e aplicações práticas entre essas áreas. Um dos pioneiros dessa linha, estabeleceu ainda em 2003 o Laboratório de Neurocognição do Desenvolvimento com o propósito de aplicar métodos multidisciplinares para entender a variabilidade cognitiva, tocando pontos como porque crianças de uma mesma idade têm habilidades diferentes, além de desenvolver múltiplos estudos sobre neurociência educacional.

Nesta entrevista, o pesquisador aborda suas pesquisas atuais – que passam por temas como o impacto da pobreza na cognição e a relação entre o aprendizado de matemática e as funções executivas cerebrais –, o papel atual e futuro da neurociência e demais áreas da ciência na educação e as principais tendências desse campo.

O senhor pode contar um pouco sobre as pesquisas que vem conduzindo sobre educação e cognição?

Meu trabalho no Laboratório de Neurocognição do Desenvolvimento inclui projetos que investigam a educação e a cognição. Alguns trabalhos examinam como as crianças desenvolvem habilidades espaciais e como isso influencia no aprendizado de matemática e ciência. Examinamos a relação entre criatividade e funções executivas (habilidades de controle mental como prestar atenção e mudar flexivelmente de tarefas). Se você é mais focado, isso faz você mais criativo? Investigamos mecanismos neurais pelos quais a pobreza pode impactar a educação. Alguns de nossos pesquisadores investigam se transtornos do desenvolvimento, como a síndrome de Down, são semelhantes ao autismo, que é diagnosticado com bases comportamentais. Se sim, porque as síndromes genéticas têm uma causa molecular conhecida, elas podem nos dar um insight das causas do autismo.

Além de dirigir o laboratório, sou diretor do Centro de Neurociência Educacional da Universidade de Londres. O centro está envolvido em alguns grandes projetos. Por exemplo, estamos rodando um ensaio que avalia o efeito de novas atividades de ensino de ciências e matemática baseadas em princípios neurais de controle inibitório com uma amostra de 7 mil crianças entre 8 e 10 anos. Em outro estudo, exploramos os efeitos do uso do celular nas funções executivas de mais de 6 mil adolescentes.

Como o senhor vê o papel da neurociência na educação e nas políticas e teorias educacionais? O que educadores e professores podem aproveitar?

O desafio de construir ligações interdisciplinares entre neurociência e educação é de longo prazo e o papel da neurociência vai mudar com o passar do tempo. Em curto prazo, temos um importante trabalho de desfazer concepções errôneas sobre o cérebro e educação, os chamados neuromitos. Em certo sentido, vejo os neuromitos como algo bom: eles refletem o entusiasmo dos professores com a ideia de que o entendimento do cérebro é relevante para educação. A curto prazo, o nosso desafio também envolve contribuir para uma abordagem baseada em evidências na educação, avaliando quais técnicas de ensino são eficazes e por quê. No médio prazo, o papel da neurociência vai envolver criar a base de evidências para as abordagens educacionais inspiradas na neurociência. Por exemplo, quando consideramos o cérebro como um órgão biológico, isso leva a um foco na entrega de energia, fonte de nutrientes, limpeza de resíduos e mitigação dos efeitos dos hormônios do estresse. A pesquisa em neurociência está focando atualmente no papel de fatores como os exercícios aeróbicos, dieta, sono, redução de estresse e aprendizado.

A longo prazo, a neurociência vai contribuir, eu espero, para o treinamento dos professores, dando a eles uma melhor noção das propriedades dos sistemas de aprendizado que eles ensinam, e do próprio cérebro deles como educadores. Devo destacar que a neurociência é só um contribuidor em um cenário mais abrangente. Há muito na educação além do aprendizado, como seu papel na sociedade e os sistemas de governança educacional, e também há muitos outros fatores envolvidos no aprendizado além do cérebro.

Na sua opinião, qual é a responsabilidade dos cientistas em relação a fazer os resultados de seus estudos chegarem a professores e tomadores de decisão em políticas públicas?

Temos duas responsabilidades. Primeiro, de não extrapolar o estado atual de evidências científicas sobre como a neurociência pode ajudar a modelar as práticas educacionais. Em segundo lugar, não subestimar o papel da ciência na educação. O cientista tem por dever reportar as descobertas da neurociência de maneira responsável para professores e políticos tomadores de decisão, de trabalhar lado a lado com eles para aplicar essas descobertas para uma melhor pedagogia e de desenvolver uma maior vigilância em relação aos neuromitos e às promessas exageradas da indústria comercial de educação, que muitas vezes usa a neurociência como chamariz.

Em seu artigo “Educational neuroscience in the near and far future: Predictions from the analogy with the history of medicine (2013), o senhor aponta que a neurociência educacional é um campo emergente e promissor para o futuro da educação. Como o senhor vê o papel de outras áreas da ciência nesse futuro?

A neurociência pode oferecer algumas implicações diretas na educação. Por exemplo, na compreensão dos efeitos da dieta e dos exercícios no aprendizado e outros. Mas sua principal influência se dá geralmente via psicologia. Dados de neurociência – imagens cerebrais, gravação de células, modelos animais, amostras de tecido – não são diretamente relevantes na sala de aula. Eles ajudam a entender mecanismos.

O modo apropriado de entender nossas mentes, o campo da psicologia, será influenciado pelo nosso entendimento de como nossos cérebros funcionam. Deixe-me dar um exemplo. Por que eu esqueço, digamos, uma palavra em francês, mas não esqueço que tenho medo de aranhas? Esquecimento, aranhas, vocabulário, medo, são todas ideias que figuram nas teorias psicológicas. Mas a resposta a essa pergunta é que o cérebro processa essas informações de conhecimento por diferentes sistemas – a amigdala é parte do sistema límbico que processa estímulos e não esquece. Técnicas terapêuticas como dessensibilização são necessárias para substituir a informação armazenada na amígdala. Já o vocabulário francês é conhecimento factual ou declarativo armazenado no córtex. Esse tipo de conhecimento gradualmente declina se não for usado. Psicologia e neurociência, então, precisam trabalhar juntas para construir teorias de porquê e como na educação. O futuro que eu vejo, então, é o avanço do movimento da neurociência mudando teorias psicológicas que podem influenciar a educação.

Sua pesquisa é focada no papel da natureza e nas causas da variabilidade cognitiva. Tendo em consideração sua vasta experiência nesse tema, o senhor consegue dizer o quanto dessa variabilidade é devida a fatores naturais (genéticos) e o quanto a fatores de criação (ambientais)? Existe um mais prevalente?

Essa é uma pergunta complicada. No nível biológico, genes e ambiente estão em perpétua interação permitindo que nossos corpos se desenvolvam e continuem a funcionar. Quando perguntamos quem é mais importante, genes ou ambiente, estamos apontando as diferenças que vemos nas pessoas, digamos no nível de inteligência, e perguntando se essas diferenças são mais influenciadas pelas diferentes variações nos genes que elas têm ou por diferenças ambientais. A resposta a essas perguntas depende um pouco das características que estamos analisando. Por exemplo, variações na altura são em sua maioria genéticas. Mas a resposta também depende de que população estamos olhando. Populações que vivem em ambientes pobres frequentemente mostram menos contribuições genéticas nesses resultados. Em um país com escassez de alimentos, a altura das crianças pode depender mais da alimentação das famílias do que da genética. Para traços psicológicos como inteligência, muitas evidências têm sido coletadas, a maioria delas em estudos com gêmeos, nos quais os traços influenciados pela genética vão ser mais similares. Mas novas evidências também estão vindo de técnicas de ponta que investigam o DNA. E a resposta a essa pergunta sobre a influência da natureza ou do ambiente parece ser meio a meio.

Como o senhor vê o desenvolvimento do campo na neuroeducação? A genética e métodos como modelagem computacional serão o futuro?

Deixe-me começar pela modelagem computacional. A modelagem computacional é uma ferramenta importante que neurocientistas usam para entender como sistemas complexos se comportam. Quando um sistema é composto de muitas partes pequenas que interagem, é difícil prever seu comportamento geral apenas a partir do conhecimento de como as partes individuais se comportam. Do mesmo modo como meteorologistas constroem modelos computacionais de sistemas climáticos e astrofísicos de formações de galáxias, neurocientistas usam modelagem computacional para entender como redes de neurônios conectados produzem funções cognitivas (como enxergar ou se mover). A educação se dá por meio de mudanças na força das conexões entre neurônios e essas mudanças dependem de como as redes são estimuladas por experiências instrucionais e autoguiadas. Sendo assim, penso que a modelagem computacional provavelmente se tornará muito importante no futuro, conectando neurociência, psicologia e educação.

Já em relação à genética, a sua contribuição direta para a educação é mais distante. Para professores, é evidente que as crianças diferem muito entre si. A genética nos diz que nem todas essas diferenças são ambientais e também nos a fala sobre coisas mais sofisticadas, como por exemplo: a genética de uma criança pode influenciar os ambientes que ela escolhe para interagir, o que por outro lado pode exagerar as diferenças entre ela e outras crianças. Por exemplo, uma criança com pouca vantagem genética para esportes e maior vantagem para linguagem pode gastar mais tempo em uma atividade que na outra, aumentando a diferença em relação às outras crianças.

No entanto, a genética ainda não aponta para implicações diretas em métodos de ensino. Isso porque o modo como os genes funcionam e influenciam as funções de nível biológico é imensamente complicado. Então, dados genéticos sobre comportamento ainda não apontam para mecanismos neurais diretamente. Mas podemos ver um futuro em potencial. A medicina está bem mais adiantada em usar informação genética, com a chamada medicina de precisão, na qual medicamentos são criados para perfis genéticos específicos dos indivíduos com o objetivo de obter resultados melhores. A mensagem principal é que se entendermos a genética de cada indivíduo, isso pode nos apontar os melhores ambientes para eles — no caso da medicina, geralmente medicamentos. Levando essa ideia para a educação, uma futura “educação de precisão” pode usar informação genética para identificar quais ambientes educacionais vão produzir os melhores resultados para cada indivíduo. A genética pode ajudar a definir qual o melhor horário do dia para o aprendizado mais eficaz, qual comida vai otimizar a atenção, quais recompensas ou feedbacks irão ser mais motivadores ou na escolha de qual classe se adequará mais à personalidade do aluno.

A genética guarda esse potencial, mas, é claro, é preciso ter em mente as implicações éticas da genotipagem, que não deixa de ser uma forma de rotulagem. A rotulagem traz riscos de estigmatização. Precisamos ter em mente os terríveis precedentes históricos associados aos primórdios da genética. Sendo assim, qualquer futuro da genética na educação deve ter lugar em um contexto de maior debate na sociedade sobre o papel da informação genética – o que deve ou não ser medido, quem deve ter acesso a esses dados, com que propósito e assim por diante.

Que tendências o senhor identifica e vê como mais importantes no campo da ciência para educação? Algo que devemos prestar mais atenção?

A busca por métodos de “melhoria cognitiva” ou “otimização cerebral” estão muito populares no momento. Existe uma corrida para encontrar uma técnica que gere benefícios para todas as habilidades cognitivas. Entre as mais populares estão o treinamento da memória de trabalho, exercícios aeróbicos, o ensino de múltiplas línguas, o aprendizado de um instrumento, treinamento de mindfulness (atenção plena) e meditação e os videogames de ação.  Algum desses ou todos esses têm efeitos relevantes na cognição? Podem eles servir como um elixir mental que combata os efeitos do envelhecimento? Bem, eu diria para ficarmos de olho!

 

 

 

Sobre o Autor

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Jornalista carioca guiada pela curiosidade e fascinada pela ciência. Especializada na cobertura de ciência, saúde, tecnologia e meio ambiente, atuou como repórter da Ciência Hoje durante maior parte de sua carreira. Na Rede CpE, toca a assessoria de imprensa e a produção de conteúdo.

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