Por Claudia Costin (Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, Fundação Getúlio Vargas), pesquisadora associada da Rede CpE

 

Quando pensamos a educação para os próximos anos, temos que considerar duas possibilidades de análise:

  1. a) como será e como deveria ser a Educação até 2030
  2. b) como preparar os alunos para a realidade que viverão daqui a 25 anos.

Creio que sejam abordagens complementares e o campo normativo implícito na primeira possibilidade de análise contém as respostas para a segunda. Afinal, a educação do futuro depende do que faremos nas escolas de hoje, especialmente se nosso foco de atenção é a sustentabilidade.

Há um arsenal de estudos prospectivos que tentam definir tendências em educação, mas não para um período tão longo. É difícil antecipar, por exemplo, se avanços na bioengenharia levarão à transferência de saberes por meio de chips ou manipulação genética. Evidentemente, isso poderia trazer consequências funestas para a riqueza que é a aprendizagem, como um processo construído socialmente.

Neste sentido, vou tentar me basear em projeções que se limitam a 2030 e procurar extrapolar tendências para os anos seguintes.

No documento “Trends Shaping Education 2022”, da OCDE, algumas tendências que ocorrem hoje no mundo são identificadas como forças que tenderão a moldar a Educação do futuro. Embora a pandemia possa ter alterado em alguma medida algumas delas, é importante entendê-las para projetar a possível configuração futura da área.

Entre elas se destacam:

– Um crescimento que elevou os padrões de vida de muitos, mas põe em risco a sustentabilidade e a coesão social, frente ao crescimento da desigualdade e ao envelhecimento da população, agravados pela crise da covid-19;

– As mudanças profundas em estilos de vida, inclusive na estrutura das famílias e no mundo do trabalho, que podem trazer consequências como precarização e aumento de insegurança, mas também oferecer novas possibilidades

– Expansão da produção, distribuição e uso do conhecimento, o que pode favorecer a aprendizagem ao longo da vida e democratizar o acesso ao saber, mas traz riscos associados a um processo decisório não humano por meio de Inteligência Artificial, e a pesquisas científicas não reguladas e ou não éticas;

– Declínio de instituições tradicionais e a ascensão do individualismo, o que pode acarretar menos exclusão e mais diversidade, por um lado, mas por outro acarretar riscos à coesão social, a valores democráticos e a uma visão mais empática da vida em sociedade.

Outras tendências, retratadas no Trends shaping Education de 2019 se mantiveram, ou até se intensificaram, em particular o aumento da mobilidade, dada a crise da Ucrânia, conflitos regionais e, aqui perto, os problemas da Venezuela e as instabilidades na Bolívia, que colocam desafios à educação dos refugiados.

Frente a essas tendências, a Educação precisará se transformar de forma importante. Mas é importante lembrar que a covid-19, além de desvelar as piores facetas da nossa educação, também funcionou como uma aceleradora de futuros. Neste sentido, algumas das tendências acima apontadas foram aceleradas, como a mudança em estilos de vida e trabalho, assim como a expansão do acesso ao conhecimento, proporcionada pela revolução digital, que, como afirmei do primeiro texto, pode ser simultaneamente uma maldição e uma benção. Maldição por substituir trabalho humano em vários setores por máquinas e uma bênção por nos permitir, a partir de aprendizagens ocorridas no isolamento social vivido na pandemia, apoiar a ação de professores no processo de ensino-aprendizagem. Mesmo com a reduzida experiência que os docentes tinham no uso de ferramentas digitais no processo de ensino-aprendizagem, a pandemia obrigou muitos deles a aprender na prática, de forma a assegurar alguma forma de interação pedagógica com seus alunos, o que acabou, de alguma maneira, se incorporando ao cotidiano das salas de aula, na volta ao presencial.

Esta aprendizagem poderá, no futuro, ser a base para construção de um Ensino Híbrido em que, num conceito de sala de aula invertida, professores remetam as exposições para serem assistidas em casa, focando o seu trabalho em sala na aplicação dos conteúdos aprendidos em problemas da realidade. Desta forma, os mestres passarão a atuar muito menos como meros fornecedores de aulas expositivas e muito mais como asseguradores de aprendizagem mais aprofundada, que, de fato, ensine os alunos a pensar.

Além disso, se considerarmos este cenário de automação e robotização aceleradas é importante notar que, apesar de novos postos de trabalho poderem ser criados, eles não demandarão as mesmas competências de hoje. Isso quer dizer que teremos que enfatizar, nas escolas, o desenvolvimento de habilidades que nos diferenciam de máquinas e nos tornam essencialmente humanos.

Precisaremos também construir uma Educação que nos possibilite avançar para além do mero cumprimento dos ditames do ODS 4, em especial para garantir autonomia, empregabilidade ou empreendedorismo e cidadania global, assim como enfrentar alguns riscos associados a um eventual crescimento de desigualdades sociais, como o fortalecimento de governos populistas e autoritários.

As principais características da educação do futuro, neste sentido, tendem a ser:

– Foco em resolução colaborativa e criativa de problemas complexos, habilidade que já chamou a atenção do PISA, levando a OCDE a inclusive criar uma prova específica a respeito;

– Personalização do ensino, que possibilitará uma aprendizagem mais adaptada para cada educando, considerando suas insuficiências e potencial, por meio de plataformas adaptativas apoiadas por Inteligência Artificial;

– Flexibilização dos currículos e interdisciplinaridade para combater a fragmentação das áreas de conhecimento em disciplinas, o que tem levado à superficialidade nas abordagens e dificultado maior aprofundamento;

– Desenvolvimento de competências do século 21, como as socioemocionais, a experimentação e a autonomia e protagonismo do estudante, associando-as a competências cognitivas;

– Fortalecimento do ensino de pensamento crítico e sistêmico. De acordo com Joseph Aoun, no seu magnífico “Robot-Proof Higher Education”, isto é fundamental inclusive no ensino superior, já que no futuro, a Inteligência Artificial não apenas substituirá trabalho humano, mas demandará pensamento abstrato em mais alto nível;

– Desenvolvimento nos estudantes de uma agilidade cultural, que lhes permita navegar bem nos contextos mais diversos, entendendo os pressupostos e valores próprios de cada povo, sem cair em relativismos e preservando conquistas humanitárias;

– Criação de um ecossistema educacional que inclua universidades, escolas, plataformas digitais, instituições de formação técnica e agências de aconselhamento de competências para adultos frente às eventuais ondas de extinção de postos de trabalho;

– Formação de crianças e adolescentes para a cidadania global, promovendo a empatia, formas de comunicação e interação social não agressivas e combatendo visões xenófobas, racistas e excludentes;

– Promoção do sentido de responsabilidade, em crianças, jovens e adultos, pelos destinos do planeta e pela adoção de hábitos de vida e consumo mais sustentáveis.

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