Cérebro, corpo, comportamento, saberes, experiências, relações… Tudo muda na adolescência. Precisamos informar nossos jovens sobre essas mudanças para que eles lidem com elas da melhor forma possível e com suporte emocional.

Por Sabine Pompeia (Unifesp), pesquisadora associada à Rede CpE

Pode ser desafiador lidar com adolescentes. Parte das dificuldades decorrem do pouco conhecimento que a maioria das pessoas tem sobre as alterações comportamentais nessa fase da vida. Por “comportamento” quero dizer não só as coisas que os adolescentes fazem, mas também a forma com que percebem e sentem. Vou discutir aqui algumas dessas mudanças, que, espero, possam ser úteis para diminuir os conflitos dos adolescentes com professores e outros jovens.

Embora muitas pessoas passem pela adolescência de forma tranquila, essa é uma fase de grande vulnerabilidade. Por exemplo, quando problemas psiquiátricos se manifestam pela primeira vez na adolescência, tendem a ser mais graves e reincidentes ao longo da vida do que quando ocorrem pela primeira vez na idade adulta.

Alguns adolescentes também tendem a correr riscos que podem levar ao abuso de drogas e álcool, acidentes, envolvimento com violência, entre outros. Evasão escolar e dificuldades acadêmicas também atingem muitos deles. Assim, é essencial monitorar o desenvolvimento dos adolescentes e intervir o mais cedo possível para evitar que esses problemas se agravem.

Todos esses tipos de comportamento podem ocorrer em adolescentes de diferentes contextos históricos e culturais, e o padrão varia entre os sexos. Isso indica que parte de como as pessoas se comportam na adolescência tem a ver com a fisiologia do desenvolvimento humano, que afeta todos os seres humanos.

A alteração fisiológica mais importante durante a adolescência é a puberdade. A puberdade é um processo que envolve um conjunto de mudanças neuroendócrinas, isto é, que tem a ver com o aumento da produção de hormônios em meninas e meninos. A puberdade altera a forma com que o corpo, incluindo o cérebro, funciona. Se o cérebro muda, mudam também os comportamentos, que são desencadeados e regulados pelo cérebro (veja esse vídeo).

Por exemplo, em garotos, um hormônio que aumenta em concentração até centenas de vezes durante a puberdade é a testosterona. Nessa fase, esse aumento é necessário para o desenvolvimento de características sexuais masculinas. Contudo, em todas as fases da vida esse hormônio é secretado também para preparar o corpo para situações de competição. Portanto, nessa fase de transição, altas concentrações de testosterona podem ser “interpretadas” pelo cérebro como a necessidade de se defender, gerando comportamentos agressivos e conflitos sociais.

Diferentemente, dDurante a puberdade, as garotas produzem muito mais estrógenos e progesterona que meninos. Esses hormônios, além de serem responsáveis pelo desenvolvimento das características físicas femininas, também alteram o humor. Como as concentrações desses hormônios passam a flutuar mensalmente quando garotas começam a ter ciclos menstruais, isso as deixa propensas a apresentar tensão pré-menstrual, o que pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos como a depressão e ansiedade. Portanto, adolescentes precisam ser informados sobre esses sentimentos para que possam desenvolver estratégias para lidar melhor com eles, em especial porque a capacidade de regular emoções ainda está em desenvolvimento na adolescência.

Os comportamentos na adolescência

Para entender como comportamentos mudam na adolescência, não basta considerar somente a idade, pois existem muitas diferenças entre os indivíduos em relação à idade em que a puberdade começa e à velocidade de sua progressão. Por exemplo, é normal que a puberdade comece entre 8 e 13 anos em meninas e entre 9 e 14 anos em meninos. Esse processo pode durar de dois anos a seis anos. Portanto, especialmente até cerca de 15 anos de idade, adolescentes da mesma idade podem estar em fases completamente diferentes da puberdade e, portanto, ter comportamentos bastante diferentes. Veja esse vídeo para educadores sobre essa questão.

Assim como a capacidade de regular as emoções, a habilidade de regular outros comportamentos também está em fase intermediária de maturação na adolescência. Isto é, estão mais maduras que em crianças e menos maduras que em adultos. Isso vale para a capacidade de se planejar e se organizar, prestar atenção, bem como perceber as coisas ao redor. Adolescentes conseguem fazer tudo isso, mas é bem mais difícil para eles do que na idade adulta por dois motivos principais:

  • as regiões cerebrais envolvidas nessas habilidades ainda não estão maduras;
  • eles tiveram pouca oportunidade de treinar essas habilidades devido à sua curta experiência de vida.

Enquanto eles maturam e aprendem, algumas estratégias podem ajudar. Por exemplo, um bom planejamento pode auxiliar a reduzir a sobrecarga de ter que se organizar repetidamente. Exemplos são: sistematizar o uso de diários com atividades a serem feitas, montar listas do que estudar em cada dia da semana, listar objetos que devem estar sempre na mochila da escola.

Adolescentes também podem apresentar bastante dificuldade de se concentrar. Portanto, esquemas de estudo que reduzem distrações ajudam muito, mesmo que isso seja feito somente em períodos curtos. Por exemplo, desligar (desligar mesmo!) o celular por períodos de meia hora enquanto fazem a lição de casa, seguidos de pequenos intervalos de descanso para checar as redes sociais (a técnica pomodoro pode ajudar). Isso aumenta a eficiência dos momentos de estudo e ajuda a desenvolver a capacidade de concentração.

Adolescentes têm também menos dificuldade que crianças, mas mais dificuldade que adultos, para identificar as emoções dos outros por meio da observação de suas expressões faciais. Sua capacidade de ter empatia também ainda está em desenvolvimento. Isso faz com que pareça que adolescentes desconsideram os sentimentos dos outros, mas, na verdade, o que ocorre é que eles não percebem muito bem as emoções alheias. Assim, a comunicação com eles deve ser clara e verbal para reduzir conflitos, até que aprendam (com aumento da maturação cerebral e treino) a ver as coisas sob a perspectiva de outras pessoas.

Existem também comportamentos na adolescência que não refletem um estágio intermediário de maturação (entre os de criança e os de adultos). Vou destacar dois deles: padrões de sono e capacidade de tomar decisões. Adolescentes têm um padrão de sono peculiar. Um aspecto do sono que matura no começo da adolescência, isto é, fica parecido com o padrão dos adultos, é ter sono só tarde da noite. Isso é fisiológico! Contudo, eles ainda precisam dormir várias horas a mais que adultos e, somente ao final da adolescência, passam a ter a mesma necessidade de sono que adultos. Como eles só caem no sono tarde e a maior parte deles vai à escola cedo pela manhã, a grande maioria dos adolescentes de hoje não dorme o suficiente (leia mais). Isso torna adolescentes vulneráveis a punições por dormir na aula, a aumento de sintomas de depressão, impulsividade, distração e redução da imunidade, que são as consequências da privação de sono. Adultos precisam monitorar e intervir se for necessário para ajudá-los a se organizar e a ter um padrão de sono regular que permita que tenham as horas de sono de que necessitam.

Outra característica fisiológica típica da adolescência é a sensibilidade a recompensas positivas e a menor sensibilidade a consequências negativas de seus atos. Esses últimos dois traços comportamentais levam muitas pessoas a achar que isso justifica porque os adolescentes são impulsivos. Contudo, existe uma nuance que muitos ignoram. Isso só vale para circunstâncias nas quais as consequências de seus atos são incertas. Quando adolescentes têm informações suficientes para determinar as consequências de suas escolhas, eles tomam boas decisões. Em outras palavras, adolescentes são mais propensos que crianças e adultos a ter coragem de fazer coisas que podem dar errado. Infelizmente, essa característica dos adolescentes é mal vista. Porém, na realidade, ela é altamente adaptativa! Diante de circunstâncias novas e que são particulares à juventude, bem como da necessidade de adaptação a novas funções sociais e responsabilidades, a forma com que o cérebro funciona na adolescência possibilita que os jovens estejam abertos a correr riscos necessários para atingir suas metas. Imagine se não fosse assim? Adolescentes não teriam coragem para ir aos lugares, não fariam novos amigos, não desenvolveriam ideias próprias, não tentariam seguir uma profissão diferente da dos familiares etc. Dan Siegel sugere que o aumento da identificação que adolescentes têm com outras pessoas da mesma idade permite com que tenham apoio social enquanto aprendem a se adaptar a essas mudanças.

Apoio social é essencial para adolescentes, tanto dos amigos como dos adultos que os cercam. Assim, adultos podem ajudar adolescentes aumentando progressivamente as oportunidades para que possam treinar essas habilidades. Todavia, precisam ter paciência enquanto eles aprendem e estar por perto para ajudá-los a sair das encrencas em que, inevitavelmente, se colocarão durante esse processo de aprendizado até a fase adulta.

Lembrando: reduzir a possibilidade de que se arrisquem, porém, não é uma boa estratégia. Muitas pesquisas mostram que: 1) é essencial aumentar a autonomia de adolescentes à medida que se tornam mais velhos para que aprendam a tomar boas decisões; e 2) limitar a autonomia de adolescentes tem efeitos bastante maléficos, pois nessas circunstâncias eles tendem a esconder fatos e acontecimentos e, assim, têm menor oportunidade de ter a ajuda necessária para evitar danos maiores.

Referências

Sobre puberdade:

Vitalle, S. e colegas (2019). Medicina do adolescente: fundamentos e pratica. Editora Atheneu.

Sobre o cérebro adolescente:

Jensen, F. E., & Nutt, A. E. (2016). O cérebro adolescente: guia de sobrevivência para criar adolescentes e jovens adultos. Editora Intrinseca.

Siegel, D. (2021). Cérebro do Adolescente: O grande potencial, a coragem e a criatividade da mente dos 12 aos 24 anos. Editora NVersos.

Sobre desenvolvimento comportamental e relações interpessoais:

Meeus, W. (2016). Adolescent psychosocial development: A review of longitudinal models and research. Developmental Psychology52(12), 1969.

Sobre riscos na adolescência:

Romer, D., Reyna, V. F., & Satterthwaite, T. D. (2017). Beyond stereotypes of adolescent risk taking: Placing the adolescent brain in developmental context. Developmental cognitive neuroscience27, 19-34.

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A Rede Nacional de Ciência para a Educação tem por objetivo integrar esforços dos vários laboratórios e pesquisadores do Brasil, de qualquer especialidade, cujo trabalho possa ser aplicado à Educação.

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