Homenagem do pesquisador associado Carlos Alberto Tomaz (UnB) ao pesquisador Marcus Lira Brandão, falecido no início de julho.

Era como os mais próximos chamavam o Prof. Dr. Marcus Lira Brandão. Não apenas pela sua estrutura física, mas, principalmente, pela grandeza da sua pessoa. Generoso, amigo fiel, sem pavulice ou soberba, sagaz, de sorriso fácil, e tímido. Com muita luta conseguiu fazer o seu curso de medicina na UFES (1976), onde iniciou a sua paixão pela pesquisa científica. Sob a orientação segura e competente do Prof. Frederico Guilherme Graeff fez o seu Mestrado e Doutorado (1981) em farmacologia na USP em Ribeirão Preto. Foi nessa ocasião que conheci o Marcão nas reuniões da SBPC. Em 1982, fui para Dusseldorf na Alemanha fazer o meu doutorado e em 1985, reencontrei o Marcão quando ele fazia um Pós-Doutorado no CNRS em Strasbourg na França. Lembro que o Marcão passou vários meses sem receber a bolsa do CNPq, mas um dia ele recebeu todos os meses em atraso e me telefonou intimando para que eu fosse com minha família para Strasbourg a fim de comemorarmos. Fomos para um supermercado fazer compras e enchemos dois carrinhos de compras com tudo o que ele sempre queria ter experimentado. Passamos um final de semana comendo, bebendo, dançando, sorrindo, chorando. Mas também falando de ciência, e dessas conversas planejamos alguns estudos combinando o que eu fazia em Dusseldorf e o que ele estava fazendo em Strasbourg.

Em 1986, retornei ao Brasil e fui me juntar ao Prof. Graeff que estava montando o Laboratório de Psicobiologia na FFCLRP – USP. Logo depois veio o Marcão para se juntar ao grupo da Psicobiologia. Em 1988, Marcão e eu estudamos juntos e fizemos a prova de Livre-Docência. Neste mesmo ano Marcão recebe Norberto Cysne Coimbra, seu discípulo na UFES, e juntos começam a montar um laboratório que marcaria a história das Neurociências na FFCLRP-USP. Norberto foi seu orientado de Mestrado e Doutorado e hoje é professor do Departamento de Farmacologia da USP-RP.

A grande contribuição científica do Prof. Marcus Brandão às neurociências esta centrada na temática das bases neurais do estresse, do medo e da ansiedade com a investigação do substrato neural que traduz informações de natureza aversiva em reações comportamentais e emocionais adaptativas que funcionam como um filtro sensório-motor do medo que sentimos ao nos defrontarmos com as ameaças do meio.

Utilizando uma abordagem integrada de sistemas neurais com o comportamento, seus estudos investigaram os sistemas neuroquímicos e anatômicos subjacentes aos processos de estimulação aversiva que subservem às consequências das informações aversivas, incluindo as respostas básicas à esta estimulação, tais como, fuga-luta, medo e ansiedade. Para tanto o seu laboratório empregava testes comportamentais, técnicas imuno-histoquímicas, avaliação sensório-motora, eletrofisiologia e neuroquímica.

O impacto disso na área de ciência para educação é grande, porque nos permite entender os processos que ocorrem no nosso organismo quando somos confrontados com situações que geram ansiedade, medo, pânico. Os transtornos de ansiedade podem ser bastante prejudiciais aos estudantes, com chances de desenvolverem depressão e isolamento social. Exemplos concretos podem ser vistos no comportamento das pessoas que apresentam dificuldades de aprendizagem. São comuns, nesses casos, crises de choro, tremores e falta de ar. As ameaças do meio no campo educacional podem ser encontradas em situações de violência na escola que podem se expressar por meio de ofensas, humilhações, agressividade, ou até mesmo quando o professor é autoritário.  A ansiedade, neste caso, pode ser explicada por um medo de que algo ruim possa acontecer, uma antecipação de um risco potencial que faz com que o corpo apresente reações fisiológicas que o preparam para reagir à possibilidade de ameaça.

Evidências obtidas no laboratório de Brandão e em outros laboratórios sugerem que os filtros neurais são acionados por informações aversivas que requerem uma ação imediata, tais como certos sons emitidos por presas, predadores e conspecíficos. Quando este filtro apresenta problemas no seu funcionamento, as reações do indivíduo frente aos estímulos aversivos do meio são mal adaptativas e podem resultar em ansiedade.

Muitos estudos no seu laboratório investigaram os efeitos de sistemas neurotransmissores administrados sistêmica ou localmente em estruturas do Sistema Encefálico Aversivo (SEA) com o objetivo de caracterizar os parâmetros neuroquímicos envolvidos no controle de comportamentos de ansiedade, medo e de estresse. Resultados obtidos no seu laboratório e em outros mostram que alguns componentes químicos, como os opioides e o óxido nítrico, estão envolvidos na gênese e na expressão desses comportamentos.

Esses resultados foram frutos dos trabalhos dos 30 mestrados e 34 doutorados que Marcão orientou. Além das profícuas colaborações nacionais e internacionais que estabeleceu ao longo das últimas três décadas, vários de seus ex-alunos se tornaram pesquisadores/docentes em diferentes instituições no Brasil e no exterior dando continuidade ao legado do Prof. Brandão às neurociências. O impacto da sua contribuição pode ser avaliado na base de dados Web of Science, onde registram-se 225 trabalhos publicados. Além de ter publicado sete livros, recebido vários prêmios e ter sido membro titular da Academia Brasileira de Ciências.

O Prof. Marcus Brandão foi ainda o idealizador, fundador e primeiro diretor do Instituto de Neurociências e Comportamento (INeC), criado em 2007 com o objetivo de se libertar das amarras impostas pela burocracia das universidades e ter uma estrutura acadêmica e administrativa que permitisse maior autonomia de atuação para os neurocientistas, promovendo dessa forma o aumento da interação com a comunidade.

Marcão, ademais deste legado científico, deixa saudades nos seus amigos, saudades do homem simples, avesso às badalações e de humor sagaz e risadas contagiantes.

Até mais, Marcão.

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado