Por Alessandra Gotuzo Seabra (Universidade Presbiteriana Mackenzie), pesquisadora associada da Rede CpE

Com a pandemia de covid-19, a necessidade de fechamento das escolas atingiu mais de 90% da população escolar mundial. Infelizmente, os países que permaneceram com as escolas fechadas por mais tempo foram justamente aqueles que já apresentavam os piores desempenhos escolares pé-pandêmicos. De fato, a correlação entre porcentagem de crianças que conseguiam ler um texto simples aos 10 anos e o tempo de fechamento das escolas (até fevereiro de 2022) mostrou-se significativamente negativa, ou seja, quanto pior o desempenho dos alunos, maior tendeu a ser o tempo de fechamento das escolas. Tal fato contribuiu para ampliar as desigualdades nos desempenhos entre os países.

O Brasil foi um dos países em que as escolas permaneceram fechadas por mais tempo. Como esperado, também foi um dos países com maior impacto do fechamento das escolas sobre os desempenhos na aprendizagem escolar. Dados das avaliações oficiais corroboram tais evidências. A edição de 2021 do SAEB, por exemplo, revelou quedas em todas as avaliações realizadas em relação ao ano de 2019: língua portuguesa e matemática no 2º ano, 5º ano, 9º ano e ensino médio. Adicionalmente, houve importante taxa de insucesso (medida que combina os dados de reprovação e de abandono) no ensino médio público no ano de 2021, dado que não foi observado na rede privada.

Aliás, a mesma tendência observada mundialmente, de maior tempo de fechamento das escolas em ambientes mais carentes, também foi observada no Brasil. No ensino privado, 70,9% das escolas ficaram fechadas em 2020; já entre as escolas públicas, o percentual foi de 98,4% das escolas federais, 97,5% das municipais e 85,9% das estaduais. Tais dados são compreensíveis, visto que locais economicamente mais carentes também tiveram maiores dificuldades com manutenção de medidas sanitárias. Infelizmente, os locais que ficaram por mais tempo sem aulas presenciais também foram aqueles com menos estrutura para o ensino remoto (como menor acesso a equipamentos e internet por parte das famílias e dos docentes; ou menor escolarização dos pais, o que dificultava o auxílio aos alunos em casa) e, para agravar ainda mais o quadro, foram os locais com menos recursos para suprir a ausência das refeições escolares, com entornos mais vulneráveis, dentre outras condições que tenderam a ampliar a diferença nas condições de vida entre estudantes mais abastados e estudantes mais carentes.

Segundo dados do Instituto Unibanco e Insper, se não recuperarmos as perdas desse período, a queda na remuneração futura já supera R$ 700 bilhões, considerando o conjunto de estudantes de Ensino Fundamental e Médio no Brasil. Em média, quem finalizou o 3º ano do Ensino Médio em 2021 (sem nenhum programa posterior de recuperação) terá queda na renda ao longo da vida entre 20 e 40 mil reais.

Em uma iniciativa multicêntrica, temos buscado mapear os desempenhos de estudantes após a pandemia em estudos financiados pela Capes e pela Rede CpE. Os dados, ainda não publicados, corroboram os achados previamente descritos, mostrando resultados bastante aquém dos padrões pré-pandêmicos. As habilidades de escrita e de matemática apresentaram-se especialmente rebaixadas. Em um estudo com mais de mil alunos de escolas públicas da grande São Paulo, por exemplo, foram coletados dados de escrita de palavras em uma tarefa de ditado. Tais resultados foram comparados com a normatização pré-pandêmica do instrumento. Observamos que 86% dos estudantes tiveram resultados até o percentil 50, sendo que o esperado, tratando-se dessa medida, seria que apenas 50% dos alunos tivessem esse desempenho. Ou seja, observamos um importante rebaixamento nos escores de escrita dos alunos em uma tarefa relativamente simples. Tais resultados apontam para a necessidade urgente de pesquisas e políticas públicas que, de fato, forneçam ferramentas para a recuperação da aprendizagem.

Nesse sentido, algumas diretrizes já foram disponibilizadas mundialmente. A UNICEF  publicou, em parceria com a UNESCO e o Banco Mundial, o documento Where are we on education recovery?em 2022. Trata-se de um valioso material que aponta cinco ações essenciais para a recuperação da aprendizagem escolar. A primeira destaca a necessidade de mapear alunos que possam ter se evadido da escola e de trazê-los novamente para o contexto escolar, oferecendo condições para sua permanência. A segunda diretriz destaca a importancia do mapeamento do nível de aprendizagem dos alunos nas diversas disciplinas, ou seja, é fundamental saber quais conteúdos os alunos já dominam e quais ainda não. Essa análise é que permitirá o direcionamento da aprendizagem posterior.

O terceiro aspecto refere-se à priorização de conteúdos fundamentais. Esse é um ponto muito relevante porque, como discutido no documento, não será possível ensinar todo o conteúdo perdido em um tempo reduzido. As escolas precisam considerar esse dado de realidade e priorizar o que realmente é fundamental, sem a ilusão de que poderão condensar todo o conteúdo em um período mais curto, sobrecarregando os estudantes. A priorização envolve todo o sistema escolar, pois é necessário pensar na escolarização como um todo e nas habilidades fundamentais, a longo prazo, que precisam ser aprendidas em cada um dos anos escolares. As habilidades acadêmicas básicas de leitura, escrita e matemática devem ser o foco inicial e após seu domínio é que outras áreas podem ser ensinadas. Infelizmente, os países de menor nível socioeconômico são justamente aqueles que têm apresentado menos planos para formação de um currículo abreviado com conteúdos prioritários.

A quarta diretriz relaciona-se à importância de oferecer estratégias de recuperação organizadas para atender às necessidades dos estudantes, tais como aumento do tempo das aulas, programas de auto-aprendizagem, tutorias e programas de aceleração da aprendizagem. Finalmente, a quinta ação refere-se à atenção à saúde mental, aspectos psicossociais e bem-estar da criança. É necessário lembrar que, além de oferecer o conteúdo escolar, as escolas são fundamentais para diversos outros aspectos do desenvolvimento infantil. Podemos citar, por exemplo, a saúde física, ao oferecer refeições, mediar o encaminhamento a serviços de saúde, dentre outros. Igualmente relevante é o desenvolvimento psicossocial dos estudantes, promovido de forma intensa no ambiente social, especialmente desenvolvido por meio da interação com pares. A ausência do ensino presencial também levou a problemas nessas áreas, logo, no período pós-pandêmico, as escolas precisam atentar a tais fatores.

Observa-se, portanto, que o período de ensino remoto decorrente da pandemia de covid-19 teve efeitos importantes sobre diversas áreas do desenvolvimento infantil, afetando especialmente crianças que já eram mais vulneráveis. Conforme dados já apresentados mundialmente, muitas crianças têm avançado na escolarização sem que tenham assimilado os conteúdos necessários para seus respectivos anos escolares. Logo, a recuperação implica atuações abrangentes e multifatoriais, que envolvam fortemente todos os atores escolares, com envolvimento das famílias e forte apoio de gestores e responsáveis por políticas públicas.

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A Rede Nacional de Ciência para a Educação tem por objetivo integrar esforços dos vários laboratórios e pesquisadores do Brasil, de qualquer especialidade, cujo trabalho possa ser aplicado à Educação.

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