Colunista aborda os desafios das redes municipais de educação com o retorno às aulas após meses de quarentena

Por: João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto

O ano do 2020 deixará marcas em todos nós – os que sobrevivermos. Há grupos e pessoas mais vulneráveis. E há setores que poderão ser mais afetados. Possivelmente, as marcas no emprego e na saúde física – e também mental – poderão ser mais fortes do que na educação. E, dentro da educação, os grupos e pessoas afetadas serão diferentes. Mas, entremos logo no tema: o que significa “um ano letivo perdido”? Como as evidências podem nos ajudar?

Primeiro, é preciso caracterizar o que seja um ano letivo e um ano perdido. Um ano letivo é um tempo considerado adequado para cumprir um programa de ensino estabelecido. O Brasil tem um dos anos letivos mais longos do mundo. O programa de ensino que temos como referência – a BNCC, Base Nacional Curricular Comum – que, apesar de representar um avanço, deixa muito a desejar quando comparada com currículos de países educacionalmente mais avançados. Um primeiro passo, portanto, consiste em ter clareza sobre o que os alunos precisam aprender a cada ano. Um segundo é saber o que eles efetivamente aprendem. O histórico da Prova Brasil nas redes públicas permite observar que eles aprendem muito pouco nas séries iniciais, quase nada nas séries finais e pouquíssimo no ensino médio. Assim, as “perdas” seriam relativamente reduzidas.

Segundo, seria importante diagnosticar o que efetivamente foi perdido nesses meses de paralisação das aulas presenciais. A evidência sobre interrupção prolongada de aulas sugere que raramente há perdas, e as que há são poucas – o que ocorre é paralisação na aprendizagem, especialmente de Matemática.

Terceiro, caberia olhar as evidências sobre o que poderia funcionar em circunstâncias semelhantes. Há evidências robustas sobre o que tem mais ou menos chance de funcionar, e elas se aplicam a qualquer situação, não apenas ao presente. São duas as linhas de ação. Onde há professores bem preparados, a receita é uma e bem conhecida. Infelizmente, não é o caso da maioria das redes públicas. Quando há carências fortes relacionadas ao nível dos professores, especialmente no que se refere ao nível de educação geral e domínio do conteúdo que lecionam, as soluções consistem no uso de métodos estruturados de ensino. Quando associados a instrumentos de diagnóstico adequados e havendo possibilidade de atendimento mais individualizado, os efeitos podem ser melhores. Isso permitiria acionar as duas estratégias mais conhecidas: acelerar, para os alunos que têm base; e oferecer programas tutoriais intensivos de alta qualidade, para os que têm mais carências.

Também cabe olhar para o que as evidências dizem sobre o que não funciona: mais do mesmo não funciona. Mais dias de aula ou mais tempo intensivo pode ter efeitos prejudiciais, se levar a uma corrida para tirar o atraso. Tecnologias podem ajudar, mas, no momento, os efeitos serão limitados pelas razões que já se tornaram óbvias. Mais prudente seria incorporar os calendários de 2020 e 2021 de forma a ensinar o essencial, de maneira adequada.

Duas questões merecem atenção especial: educação infantil e alunos não alfabetizados. Dificilmente será possível oferecer qualquer coisa adequada para alunos de educação infantil com regras de distanciamento social. Esta é uma questão que merece reflexão e soluções adequadas (todas elas caríssimas), com foco nos mais carentes. Aí será preciso experimentar e aprender com a experiência. A família continuará sendo o primeiro e mais fundamental ponto de apoio – e portanto, tudo que puder receber de ajuda, apoio e orientação segura poderá contribuir. Leitura interativa entre pais e filhos é uma candidata com fortes chances de sucesso.

Já a questão da alfabetização tem soluções conhecidas e eficazes: alfabetizar usando métodos adequados de formas adequadas. O Brasil perdeu 40 anos com ideologias pedagógicas que ainda não foram totalmente superadas. A pandemia mostrou o grande problema que é um aluno não alfabetizado em casa – sem poder ler, sua autonomia fica muito restrita. Será que vamos aprender a lição?

O curto prazo possivelmente será enfrentando com as armas da improvisação, como se tem visto até o momento. E dificilmente poderia ser diferente, dados o contexto, o final do mandato dos prefeitos, o apagão do MEC e tantas outras circunstâncias.

Mas lições podem ser aprendidas. A mais importante delas é que, diante de perigos iminentes, como a catástrofe educacional, esperar não é a melhor solução. Vão perder menos os municípios que já estiverem planejando o retorno. A segunda lição é a de que protocolos bem estruturados, sensíveis a mudanças em face de novas evidências, constituem o caminho mais seguro para resolver problemas, inclusive na educação. isso atende pelo nome de programa de ensino ou plano de curso ou plano de aula ou coisas do gênero. A terceira lição é que escolas e famílias precisam se conhecer melhor e maximizar suas complementariedades. E, por fim, a quarta é que um currículo robusto associado a mecanismos adequados de avaliação diagnóstica e, sobretudo, a uma carreira docente capaz de atrair jovens de alto talento para o magistério constituem os antídotos eficazes para que todo ano não seja um ano perdido, como tem sido para a maior parte da população que depende da escola pública. O resto não passa de máscaras para tapar a realidade.

 

Sobre o Autor

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João Batista Oliveira é psicólogo, Ph.D. em Educação e professor. Em 2006, fundou o Instituto Alfa e Beto, organização não governamental dedicada a estimular o debate sobre educação com base em evidências; a realizar e avaliar os impactos de intervenções nas áreas de Educação Infantil e Alfabetização; e a desenvolver e implementar programas estruturados para o Ensino Fundamental.

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