Por Carlos Bielschowsky (UFRJ), pesquisador associado da Rede CpE

O uso de dispositivos digitais em processos educacionais não é recente. Um exemplo é o trabalho de Seymour Papert e colaboradores de 1967 com a criação da linguagem de programação denominada Logo. Foram realizados diversos experimentos em que os estudantes puderam desenvolver novas habilidades, como, por exemplo, controlar o movimento de um robô com placas eletrônicas. Assistimos, desde então, a um espantoso desenvolvimento dos dispositivos eletrônicos. Hoje, um pequeno notebook de trezentos dólares realiza quase um trilhão de operações por segundo, cerca de 500 mil vezes mais que o “revolucionário” IBM 360 lançado em 1964, que ocupava, com seus acessórios periféricos, uma sala grande e custava milhões de dólares.  A primeira rede de conexão no Brasil ocorreu em 1988 entre Universidades Brasileiras e dos E.U.A., que visava a comunicação científica com a troca de textos curtos. Hoje, satélites cada vez menores e mais baratos iluminam com banda larga os recantos mais distantes do mundo.

Esses avanços tecnológicos favoreceram o desenvolvimento de aplicativos educacionais poderosos, como os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), tais como o Moodle e o Google Classroom, que, associados aos aplicativos de  videoconferência, nos ajudaram a diminuir os prejuízos educacionais decorrentes da pandemia de covid-19. A realidade virtual aumentada permite aos nossos alunos visitarem, de forma imersiva, os melhores museus do mundo, além de permitir o  desenvolvimento de laboratórios na área de ciência mais próximos dos experimentos reais. O uso de inteligência artificial na educação ativa promete uma revolução, cujas consequências ainda não sabemos dimensionar.

Em sintonia com este espantoso avanço nas tecnologias de informação e comunicação (TIC) e dos aplicativos educacionais, também assistimos ao desenvolvimento de metodologias educacionais ativas que visam uma maior participação do aluno, tais como o estudo baseado em projetos, o estudo baseado em problemas, a sala de aula invertida e o júri simulado.

Este conjunto de ferramentas e metodologias podem ajudar, e muito, no desenvolvimento da educação, acelerando o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da agenda 2030 da ONU na área de educação (objetivo 4). Infelizmente, sua aplicação em países em desenvolvimento encontra barreiras em todos os níveis de ensino.

No ensino básico, nossas escolas sofrem ainda de problemas primordiais, apresentando, muitas vezes, uma infraestrutura física inadequada, merenda subfinanciada, carência de professores entre outros problemas estruturantes. Diante desta triste realidade, estas escolas não apresentam foco suficiente no processo de ensino e aprendizagem, requisito necessário para uma mudança de cultura educacional associada ao uso das TICs.

Um outro fator é que boa parte de nossos professores atuam em mais de uma escola, com carga horária semanal excessiva, com salários que deixam a desejar, ao que se somam as atribuições familiares cotidianas, não restando tempo nem motivação para a capacitação no uso de TICs. Finalmente, temos uma distância grande no acesso a dispositivos móveis e à internet entre alunos de classes mais e menos favorecidas, não apenas em casa como também nas escolas que frequentam. Isto significa que toda esta maravilha colocada à disposição do processo educacional acaba, de maneira geral, aumentando ao invés de diminuir as desigualdades sociais na área de educação.

No ensino superior e na formação continuada, a Educação à Distância (EAD) com uso de TICs vem apresentando importantes iniciativas de democratização de acesso com qualidade. Um belo exemplo é os cerca de 40 mil alunos de EAD do consórcio Cederj das Universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro. Seus alunos vêm obtendo um desempenho no Enade, exame de final de curso aplicado pelo MEC, equivalente aquele dos alunos presenciais destas mesmas Universidades, situando-se entre os melhores do país. Outro belo exemplo é o curso de Ciências da Aprendizagem oferecido pela Rede Nacional de Ciência para a Educação, que teve sua primeira edição, ainda experimental, em 2022, abordando temas tais como o impacto do sono, do exercício físico, das emoções e da alimentação na aprendizagem, reunindo prestigiosos cientistas de nossas Universidades e professores de escolas públicas de todo o país.

Lamentavelmente, também no ensino superior, o uso de TIC traz dificuldades, pois a EAD vem abrindo portas para um processo de financeirização do ensino superior. Em 2021,[1] mais da metade de todos os ingressantes no ensino superior do país era em cursos na modalidade EAD de apenas dez grandes grupos privados, com ações na bolsa de valores. Estes cursos têm, geralmente, uma enorme evasão (apenas metade dos estudantes sobrevive ao segundo ano), e a grande maioria tem um desempenho muito preocupante no Enade.

É triste perceber que todo o potencial que as tecnologias digitais, aplicativos e metodologias ativas vem trazendo para o processo educacional acabam não sendo plenamente utilizadas para acelerar o cumprimento dos ODS da agenda 2030 da ONU. Cabe ao poder público favorecer a utilização destas tecnologias e metodologias para a construção de um país mais equânime, por exemplo, oferecendo dispositivos móveis e conectividade aos alunos mais carentes do ensino básico, acelerando os programas de formação continuada de professores da rede pública no uso de TICs e metodologias ativas  e exercendo seu papel de regulador da oferta coibindo o mal uso destas tecnologias no ensino superior.

[1] Expansão da Educação Superior no Brasil: uma análise das Instituições Privadas, relatório de pesquisa, coordenação Carlos Bielschowsky – São Paulo: Sou_Ciência, 2022. Disponível em https://souciencia.unifesp.br/paineis/expansaoensinosuperiorprivado

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