Há formas eficientes de estudo? Jovens que irão fazer o Enem, concurseiros, professores e interessados: existe um aplicativo gratuito que pode ajudar. A gente te conta!

Por Sabine Pompeia (Unifesp) e Roberta Ekuni (Uenp), pesquisadoras associadas à Rede CpE

Muitas pessoas acham que o foco da educação deve ser ensinar conteúdo, o que é geralmente feito por meio de aulas expositivas, vídeos e indicação de leitura para os alunos. Porém, isso não é o suficiente. Para que um aluno aprenda, ele precisa revisitar o conteúdo, ou seja, estudar. Existem muitas formas diferentes de estudar, algumas das quais funcionam melhor do que outras.

Vamos apresentar algumas evidências científicas sobre as melhores formas de estudar e, em seguida, sugerir um aplicativo gratuito que os professores podem usar e/ou indicar aos alunos para que eles tenham a oportunidade de fixar melhor o conteúdo escolar, independentemente da matéria.

Melhores formas de estudar

Digamos que haverá uma prova daqui a dez dias e que os alunos terão três horas disponíveis para estudar. Em geral, eles preferem usar essas horas para estudar na véspera da prova. Outra alternativa seria distribuir ou espaçar essas horas ao longo de alguns dias (por exemplo, uma hora por dia nos três dias antes da prova). Que diferença isso faz para o sucesso na prova? Pouca diferença. Ambas as formas de estudar levam, em curto prazo, a desempenhos bons. Isso faz com que muitos alunos acreditem que estudar só na véspera da prova é uma boa estratégia. Agora, imagine que dois meses depois dessa prova, aconteça uma prova surpresa. Aqui a coisa muda de figura. A ciência da aprendizagem mostra que os alunos que espaçam os momentos de estudo lembram melhor do conteúdo. Portanto, espaçar leva a uma retenção maior de informações a médio e longo prazo.

Faz diferença como os alunos estudam, independentemente do tempo que dedicam a isso e/ou se espaçam esses momentos? Sim. Existem muitas evidências de que a melhor forma de estudar é tentar lembrar a matéria, ou “tirando informações da cabeça”. O termo científico para isso é “prática de lembrar”.  Como assim, “tirar da cabeça”? Por exemplo, tiramos informações da cabeça quando fazemos exercícios, resolvemos problemas, respondemos perguntas, inventamos perguntas sobre a matéria, desenhamos esquemas, pensamos nas relações entre conteúdos, fazemos um resumo de cabeça, explicamos a matéria para um colega com as próprias palavras, entre muitas outras possibilidades. Estudar por meio dessas estratégias leva a menor esquecimento ao longo do tempo quando comparado a estudar passivamente, ou “colocando informações para dentro da cabeça”. Por exemplo, revendo aulas ou vídeos, relendo anotações, livros e apostilas ou até mesmo só grifando partes do texto. Apesar disso, estudos nacionais e internacionais mostram que a técnica de estudo que os estudantes mais usam é reler a matéria. Em outras palavras, estudantes ao redor do mundo gastam muito de seu tempo estudando de uma forma que dá poucos resultados.

Aliás, é importante chamar a atenção para o fato de que provas não servem somente para avaliar o quanto os alunos sabem. Provas são também excelentes oportunidades de gerar aprendizado, pois fazem os alunos praticar o ato de lembrar. É essencial, entretanto, que os professores forneçam as respostas após a prova. Desta forma, os alunos têm a oportunidade de aprender a resposta certa de questões que eles erraram. Assim, se esse mesmo conteúdo for perguntado numa prova de final de ano, os alunos terão mais chances de responder corretamente.

Aos professores das áreas de exatas: é verdade que nessas áreas o estudo é quase que exclusivamente feito com exercícios e resolução de problemas. Contudo, muitos alunos estudam revendo como resolveram os problemas antes, em vez de de refazê-los. Isso corresponde a reler anotações ou um capítulo, ou seja, essa forma de estudar é ineficiente para promover uma aprendizagem duradoura. Para isso, é essencial que refaçam todos os passos de cada questão e só ao final chequem se acertaram.

Mudar hábitos de estudo é difícil. Portanto, o ideal é que alunos sejam ensinados e estimulados a estudar adequadamente desde cedo. Para os jovens, imersos em um mundo tecnológico em que há aplicativos para lembrar de beber água, registrar ciclos de sono etc., uma forma de estimular estudantes a usar boas estratégias de estudo é sugerir aplicativos para isso.

Uso de aplicativo gratuito de prática de lembrar espaçada

Uma maneira simples e eficiente de estudar praticando lembrar de forma espaçada é usar flashcards (cartões de aprendizagem). É bem simples: de um lado do cartão, coloca-se algo a ser aprendido, como uma pergunta ou exercício. Do outro lado, coloca-se a resposta. Para estudar usando os cartões basta fazer o seguinte: 1) olhar o lado das perguntas e tentar tirar a resposta da mente; 2) após pensar a resposta ou resolver o exercício, vira-se o cartão para checar se a resposta foi correta ou não; 3) se não foi, não tem problema. Muitas pesquisas mostram que a tentativa de lembrar, somada ao acesso subsequente da resposta, já serve para melhorar a aprendizagem. Com efeito, já foi comprovado que alunos que reportaram usar flashcards têm melhor desempenho em provas do que seus colegas que não os usavam!

Flashcards podem ser montados em cartões reais, de papel. Essa é uma forma eficiente para alunos que não têm celular .   Aplicativos baseados na ideia de flashcards também existem e são atrativos para os jovens. Um exemplo é o ANKI, um software gratuito (exceto para uso em iPhone), que pode ser usado no computador ou em celulares. Aliás, não confundam o ANKI com o ANKIapp (da empresa Admium), que é pago e foi lançado posteriormente ao ANKI.

No ANKI gratuito pode-se formular flashcards e organizá-los por assunto ou matérias. Esses flashcards podem ser escritos, podem incluir sons, prints de exercícios e gráficos, o que reduz a necessidade de digitação. Pode-se, então, programar o app para apresentar esses flashcards de várias formas. A cada vez que um flashcard é apresentado, o usuário tenta lembrar a resposta ou resolver o problema e pode checar se acertou ou não. Em seguida, há como indicar no app se a pessoa errou, achou a questão boa, e a resposta fácil ou difícil. A depender do que a pessoa marca, esse mesmo flashcard será reapresentado em intervalos mais curtos ou longos de tempo, permitindo o estudo espaçado. O app permite, também, inverter as faces dos flashcards para ver a pergunta ou a resposta. Por exemplo, a pergunta pode ser “A capital de Sergipe é ___” e a resposta ser “Aracaju é a capital”. O app também permite verificar o aumento das taxas de respostas corretas ao longo do tempo. Como grande parte dos estudantes brasileiros ainda não têm acesso constante à internet, é importante enfatizar que esse acesso é necessário somente para baixar o app e fazer as operações iniciais. É possível confeccionar e usar os flashcards de forma off-line.

Formular conjuntos de flashcards dá trabalho. Porém, fazer essa atividade pode melhorar a aprendizagem. Apenas o ato de fazer os flashcards já consiste em uma forma de estudo que envolve a prática de lembrar, pois os alunos precisam selecionar conteúdos que acham que devem aprender. Eles podem usar o app em várias ocasiões, permitindo o estudo espaçado, em especial em momentos em que tradicionalmente não estudam, como quando estão no transporte público, em filas etc. O recurso que achamos mais interessante é o compartilhamento de flashcards entre colegas. Desta forma, somente alguns flashcards devem ser elaborados por cada aluno e, no conjunto, eles podem ter acesso a um grande conjunto deles. Neste caso, sugerimos que os alunos incluam na resposta a página do livro ou caderno, por exemplo, de onde tiraram a informação, pois isso reduz a chance de que estudem questões com respostas erradas. Os professores podem também contribuir com flashcards e disponibilizá-los abertamente para todos os usuários do ANKI – ou somente para seus alunos.

Para alunos em estágios mais avançados, como os que estão estudando para o vestibular ou Enem, sugerimos que usem o ANKI e evitem passar muito tempo contínuo só estudando uma matéria específica. O motivo para isso é que, à medida que questões semelhantes se repetem, fica mais fácil respondê-las. Todavia, no vestibular e Enem, e na vida de forma geral, as pessoas precisam rapidamente encontrar respostas referentes a conteúdos muito diversos. Assim, essa flexibilidade deve ser treinada enquanto estudam. Em outras palavras, para esse tipo de exame o ideal é estudar usando flashcards gerados aleatoriamente misturando o máximo de conteúdos possíveis.

Para saber mais, consulte o manual escrito sobre como usar o ANKI em português ou diversos tutoriais no Youtube exemplificando como usá-lo para aprender matérias diferentes (introdutório: https://www.youtube.com/watch?v=tRq_8T6Z70Q); e outros mais longos com mais explicações, como https://www.youtube.com/watch?v=RTpGp2P0dkc; https://www.youtube.com/watch?v=upHpaArJ7l4; e https://www.youtube.com/watch?v=PTWJu120fR8).

 

Observação: As autoras não têm qualquer vínculo com o aplicativo ou com os vídeos divulgados neste artigo.

 

Referências

Cepeda, N. J., Vul, E., Rohrer, D., Wixted, J. T., & Pashler, H. (2008). Spacing effects in learning: A temporal ridgeline of optimal retention. Psychological science19(11), 1095-1102.

Dunlosky, J., Rawson, K. A., Marsh, E. J., Nathan, M. J., & Willingham, D. T. (2013). Improving students’ learning with effective learning techniques: Promising directions from cognitive and educational psychology. Psychological Science in the Public interest14(1), 4-58.

Ekuni, R., de Souza, B. M. N., Agarwal, P. K., & Pompeia, S. (2022). A conceptual replication of survey research on study strategies in a diverse, non-WEIRD student population. Scholarship of Teaching and Learning in Psychology8(1), 1.

Miyatsu, T., Nguyen, K., & McDaniel, M. A. (2018). Five popular study strategies: Their pitfalls and optimal implementations. Perspectives on Psychological Science13(3), 390-407.

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