Marília Zaluar Guimarães, coordenadora da Rede CpE

Em março de 2014, o neurocientista Roberto Lent foi convidado a participar de uma reunião em Xangai na China sobre Ciência da Aprendizagem, como representante da Academia Brasileira de Ciências. Lá, tomou conhecimento dessa nova e importante área de produção científica que busca compreender como aprendemos e como podemos maximizar os processos de aprendizagem e ensino. Além da óbvia importância dessa área de pesquisa, havia ainda a atratividade de que para compreender esses processos é preciso a interação de múltiplas áreas, como matemática, computação, psicologia, fonoaudiologia, além das neurociências.

Na época, Roberto era diretor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, mencionando o novo interesse, perguntou à congregação do ICB se alguém mais gostaria de se aprofundar no tema. Um braço se levantou imediatamente: o da autora deste artigo. Eu havia me interessado pelo tema já antes, a partir de observações e estudos que acompanhava por causa do crescimento de minhas filhas.

Na sequência, começamos a levantar nomes de pesquisadores de diferentes áreas com possível impacto para a educação, e a contactá-los. No dia 24 de novembro de 2014, foi realizada uma reunião no Centro de Ciências da Saúde da UFRJ na qual discutiu-se a criação de uma rede de pesquisadores e sua carta de fundação. A reunião contou com uma abertura feita pelo então presidente da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Jorge Guimarães, e do então presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), Francisco Soares, além de mais de 29 pesquisadores de várias partes do Brasil (confira a lista dos fundadores aqui). É preciso destacar que desde esse tenro início da Rede CpE, tivemos um parceiro institucional que foi e continua sendo muito importante para a rede: o Instituto Ayrton Senna.

Uma discussão que surgiu desde o início foi a distinção entre ciência da aprendizagem, que seria a tradução literal do inglês da área de Science of Learning, termo cunhado por pesquisadores nos EUA, e ciência para educação. Para nós, a palavra ‘educação’ seria mais abrangente, incluindo além do ato de aprender, também o de ensinar: e, além disso, incluiria muitas áreas correlatas referentes à Educação, como avaliação, currículo, entre outras. Olhando para trás, parece que a decisão de ampliação do escopo foi muito acertada, e reforçada, mais recentemente, pelos estudos de neuropsicologia envolvendo a interação entre pessoas, associada à sincronização de ondas cerebrais entre professores e alunos, para dar apenas um exemplo.

Também foram discutidos os objetivos dessa rede de pesquisadores, que veio a se oficializar dois anos depois, em 2016, com a criação de uma associação chamada Rede Nacional de Ciência para Educação. Dos objetivos elencados para a Rede CpE, como é carinhosamente chamada, já conseguimos avançar em alguns deles, mas certamente ainda há muito o que fazer pela frente. Leia aqui a carta de fundação na íntegra, que lista esses objetivos.

Em novembro deste ano, de 2024, comemoraremos 10 anos dessa carta de fundação! Nesse período, realizamos seis encontros nacionais da Rede CpE em diferentes locais no Brasil, agregamos 200 pesquisadores de diferentes áreas geográficas e de atuação, publicamos livros e documentos de divulgação, criamos a Plataforma CpE, pela qual é possível buscar pesquisadores da área, realizamos um documentário sobre a educação na pandemia, muitos webinários e vídeos de divulgação de pesquisas, e o Podcast “Educação tem Ciência” que já foi ouvido mais de 15 mil vezes. Nas redes sociais, acumulamos quase 7 mil inscritos no YouTube, 13 mil seguidores no Facebook e mais de 8 mil no Instagram.

Mas três ações mais recentes merecem destaque. A primeira foi uma ampliação e estreitamento com os Amigos da Rede CpE, que hoje já conta com cerca de 300 membros. Os amigos da Rede participam intensamente dos Encontros Nacionais e de outras ações, trazendo o olhar do chamado “Chão da Escola”, e tornam essas ações riquíssimas. O segundo destaque foi o Curso EAD de Ciências da Aprendizagem, que em 2023 teve uma nova edição com mais de 1000 inscritos. Em 2022 realizamos uma pesquisa que revelou que professores não têm disponíveis cursos nessa linha de pesquisa científica aplicada à educação, daí o investimento da Rede CpE nesse curso, que deve ganhar novos módulos em breve. Por fim, em 2023 foi implementada a Cátedra Unesco de Ciência para Educação, que estende a inserção internacional da nossa Rede.

Nesses 10 anos podemos dizer que a Rede avançou muito em alguns de seus objetivos, como ilustrado com os exemplos acima. Mas ainda temos muitos desafios. Dos objetivos colocados na carta de fundação, pelo menos dois ainda não foram alcançados o suficiente. Primeiro, o de sensibilizar ministérios e agências de fomento para que financiem pesquisas e implementem ações nas escolas baseadas em evidências científicas. E o segundo, de incorporar disciplinas de ciência da aprendizagem nas licenciaturas e cursos de pedagogia. São grandes desafios, mas temos cada vez mais pesquisadores e professores engajados e caminhando lado a lado com a gente.

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A Rede Nacional de Ciência para a Educação tem por objetivo integrar esforços dos vários laboratórios e pesquisadores do Brasil, de qualquer especialidade, cujo trabalho possa ser aplicado à Educação.

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