Colunista apresenta o conceito de metacognição como estratégia de aprendizagem e destaca importância do apoio emocional e motivacional para um bom desempenho escolar  do aluno

 

Aprender a aprender é fundamental. Estamos falando de metacognição, ou seja, conhecimento e cognição sobre o fenômeno cognitivo ou conhecimentos que se tem sobre os próprios processos cognitivos e seus produtos. Segundo John Flavell, psicólogo norte-americano especializado em desenvolvimento cognitivo de crianças, a metacognição tem um papel importante na aquisição da linguagem, na comunicação e na compreensão oral, na leitura, na escrita, na atenção, na memória, na resolução de problemas e em vários tipos de autocontrole e auto-instrução. Embora a definição de metacognição pareça complexa, ela é facilmente observável, em nosso dia a dia e extremamente útil ao contexto educativo, pois torna a aprendizagem mais efetiva.

Na realidade, a metacognição envolve não só o conhecimento em si, mas a autoconsciência dos próprios processos de conhecer. Quando um estudante, por exemplo, dedica mais tempo ao estudo de um assunto em particular, por perceber que, dentre todos os outros, é o que lhe parece mais difícil, está utilizando uma estratégia metacognitiva. Conhecimento sobre o próprio conhecimento e controle sobre a própria cognição são, segundo Flavell aspectos definidores do termo. Mais precisamente, pode-se dizer que a metacognição é uma autorreflexão de nível elevado.

As estratégias de aprendizagem são definidas, por estudiosos como John Nisbett, Janet  Schucksmith e Diana Dansereau, como sequências integradas de procedimentos para facilitar a aquisição, o armazenamento e a utilização da informação.  Existem tipos distintos de estratégias, que podem ser divididas em pelo menos dois grandes grupos: estratégias cognitivas e estratégias metacognitivas. As cognitivas se referem a comportamentos e pensamentos que influenciam o processo de aprendizagem de maneira que a informação possa ser armazenada mais eficientemente. Já as metacognitivas são procedimentos que o indivíduo usa para planejar, monitorar e regular o seu próprio pensamento.

Para o especialista em aprendizagem Myron Dembo, existem três tipos principais de estratégias cognitivas: as de ensaio, as de elaboração e as de organização do conhecimento. No que concerne às estratégias metacognitivas, Dembo descreve duas dimensões inerentes a elas. A primeira engloba: a) o conhecimento do estudante sobre si mesmo (preferências pessoais, pontos fortes e fracos, interesses e hábitos); b) o conhecimento sobre a tarefa (dificuldades e exigências da tarefa acadêmica), c) o conhecimento de estratégias de aprendizagem (quais, quando, porque e como utilizá-las). Já a segunda inclui: a) as estratégias de planejamento, que implicam no estabelecimento de objetivos para o estudo; b) as estratégias de monitoramento, que envolvem a conscientização sobre a própria compreensão (alterar o ritmo de leitura,  reler trechos difíceis) e sobre a própria atenção (manter atenção no que está fazendo, evitar distrações); c) estratégias de regulação, que auxiliam os estudantes a modificar seu comportamento de estudo e lhes permitem reparar deficiências em sua compreensão ou ação.

Para alcançarmos sucesso escolar ou acadêmico, valendo-se da metacognição, temos que, diante de uma tarefa, não só ser capazes de conhecer nossos pontos fortes e fracos para lidar com sua demanda, mas também de identificar quais as estratégias de aprendizagem devemos empregar para resolvê-la. É preciso, primeiramente, planejar como solucioná-la. É necessário também monitorar se estamos indo bem, se escolhemos a melhor estratégia, se temos tempo suficiente para realizá-la, entre outras possibilidades. Caso o monitoramento nos sugira que estamos no caminho errado, é preciso regular nosso comportamento de forma a reajustar nossas ações em direção a mudanças que nos possibilitem o sucesso. Neste sentido, ser metacognitivo implica que, simultaneamente à realização de uma tarefa ou a aprendizagem de um conteúdo, há que se refletir sobre como estamos nos saindo.

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Sublinhar pontos importantes de um texto, usar técnicas de memorização, fazer resumos, controlar a ansiedade, manter o foco e a motivação, são algumas estratégias para a metacognição.

As estratégias metacognitivas são a base do funcionamento do sistema de processamento da informação, sendo de capital importância para a aprendizagem autorregulada. Quanto maior a capacidade metacognitiva do aluno, mais autorregulado ele tende a ser em sua aprendizagem e mais profunda é a sua capacidade de processar as informações. A promoção da aprendizagem autorregulada é uma das principais metas educacionais nos dias de hoje. A aprendizagem autorregulada é um construto multidimensional que vem ganhando destaque na psicologia educacional na contemporaneidade, uma vez que engloba vários aspectos imprescindíveis à aprendizagem de qualidade e dá grande ênfase ao papel ativo do aluno, merecendo atenção de educadores, pesquisadores e das políticas públicas em Educação.

Há, em linhas gerais, um consenso de que a metacognição envolve controle dos processos cognitivos, das emoções e do comportamento. Há convergência também entre os estudiosos do tema acerca da relevância das estratégias de aprendizagem (cognitivas e metacognitivas) e das variáveis afetivas e motivacionais para a aprendizagem autorregulada.

A perspectiva da aprendizagem autorregulada parte do pressuposto de que todo aluno, em princípio, tem o potencial de tornar-se um estudante bem-sucedido e autorregulado. Reconhece-se que é possível “ensinar a aprender” e “aprender a aprender”, embora sejam investimentos educacionais a longo prazo, conforme apontam Michael Pressley, John Borkowski e Wolfang Schneider. Evidências mostram que intervenções orientadas à promoção da aprendizagem autorregulada dos estudantes são frutíferas, pois produzem uma melhora imediata tanto no uso das estratégias envolvidas quanto no rendimento escolar geral dos alunos.

Estratégias de aprendizagem cognitivas, metacognitivas e de regulação emocional e motivacional podem ser ensinadas para alunos de baixo rendimento escolar. É possível ensiná-los a expandir notas de aulas, sublinhar pontos importantes de um texto, monitorar a compreensão na hora da leitura, usar técnicas de memorização, fazer resumos, controlar a ansiedade, manter o foco e a motivação, entre outras estratégias.

Esses resultados são de especial importância no contexto educacional brasileiro, no qual exames como o SAEB e o PISA atestam que grande parte dos alunos apresenta sérias defasagens na aprendizagem, em várias áreas do conhecimento, inclusive nem sempre atingindo condições para a realização do Ensino  Médio.

 Pensamento e emoção lado a lado

A aquisição de estratégias de cognitivas e metacognitivas é capaz de melhorar expressivamente o rendimento escolar dos alunos. Todavia, seu uso é mediado por variáveis afetivas e motivacionais. O ensino dessas estratégias tem que ser acompanhado do apoio afetivo-motivacional.

Assim, estudiosos consideram que um elevado senso de autoestima e autoeficácia, bem como a tendência a atribuir sucesso e fracasso a esforço e falta de esforço, respectivamente, são variáveis psicológicas essenciais ao uso de estratégias de aprendizagem e ao sucesso escolar. Segundo pesquisadores, os alunos precisam primeiro acreditar que são capazes de realizar uma tarefa com sucesso e querer se engajar nela, para então usar a estratégia adequada e investir o esforço necessário para realizá-la.

(foto: CEEB/Flickr - CC BY-SA 2.0)

A aquisição de estratégias de cognitivas e metacognitivas é capaz de melhorar o rendimento escolar, mas precisa vir acompanhada de suporte emocional. (foto: CEEB/Flickr – CC BY-SA 2.0)

Ademais, estudos mostram que ainda existem controvérsias apontadas pela psicologia do desenvolvimento sobre as reais capacidades metacognitivas de crianças em diferentes faixas etárias, o que, por sua vez, justificam, em parte, as dificuldades encontradas na mensuração da metacognição em estudantes do ensino fundamental, sobretudo em nosso meio. Soma-se a isso, a prevalência de métodos mais prospectivos de avaliação do construto em estudos nacionais, que se ativeram a investigar o conhecimento metacognitivo mais geral e não o comportamento metacognitivo, nos diversos segmentos da escolarização formal.

Sem dúvida, é  promissor focalizar a atenção no estudo das variáveis cognitivas, metacognitivas, afetivo-motivacionais e sociais associadas à aprendizagem de estudantes, durante a escolarização formal. A ampliação do conhecimento dessas variáveis-chave à aprendizagem poderá contribuir não só para que esses processos sejam mais bem fomentados, mas também para que seja fortalecida a capacidade de aprender a aprender durante os anos escolares. Todavia, há que se investir fortemente também na melhoria dos problemas sociais, políticos e econômicos, que atravessam a Educação brasileira.

Independentemente dos benefícios que a metacognição, as estratégias de aprendizagem, as variáveis afetivas e motivacionais e outras associadas à aprendizagem autorregulada possam trazer à aprendizagem, acredita-se que esses fatores, quando fortalecidos, podem gerar emoções positivas, contribuindo para a promoção da saúde, da qualidade de vida e do desenvolvimento pleno do ser humano. Para Simone Paludo e Silvia Koller, a escola deve ser vista como um contexto de proteção ao desenvolvimento humano.

A psicologia cognitiva e a vertente metacognitiva mostram que é possível melhorar consideravelmente a capacidade de aprender dos alunos de baixo rendimento escolar. A crença de que se é possível ensinar para o aprender a aprender abre novas perspectivas para os problemas educacionais brasileiros, tornando a instrução mais poderosa e se constitui como importante para o desenvolvimento de novas abordagens instrucionais. O fortalecimento dos processos metacognitivos, desde o início da escolarização formal, certamente, terá caráter preventivo, evitando ou reduzindo dificuldades de aprendizagem, desobstruindo impedimentos ao desenvolvimento saudável do estudante, quer em nível cognitivo, emocional, motivacional e social.

 

Sugestões para Leitura

Boruchovitch, E. (1993). A Psicologia cognitiva e a metacognição: Novas perspectivas para o fracasso escolar brasileiro. Tecnologia Educacional, 22 (110/111), 22-28.

Boruchovitch, E., Schelini, P. W., & Santos, A. A. A. (2011). Metacognição: conceituação e medidas. Em Santos, A. A. A., Sisto, F. F., Boruchovitch, E., & Nascimento, E. Perspectivas em Avaliação Psicológica, pp. 123-144. São Paulo: Casa do Psicólogo. ISBN 978-8562553- 21-9.

Flavell, J. H. (1979). Metacognition and cognitive monitoring: A new area of cognitive- developmental inquiry. American Psychologist, 34, 906-911.

Dembo, M. H.(1994). Applying educational psychology. New York: Longman Publishing Group.

Paludo, S., & Koller, S.H. (2006). Psicologia positiva, emoções e resiliência. Em, Dell’Aglio, D.D., Koller, S.H., & Yunes, M.AM (orgs). Resiliência e Psicologia Positiva (pp. 69-86). São Paulo, Casa do Psicólogo.

Pressley, M., Borkowski, J. G. & Schneider, W. (1989). Good information processing: What it is and how education can promote it. Journal of Educational Research, 13, 8, 857-867.

Zimmerman, B. J., & Schunk, D. H. (2011). Handbook of self-regulation of learning and performance. New York, NY: Taylor & Francis.

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