Em três dias de evento, os mais de 400 inscritos puderam participar de palestras e debates sobre ciência para educação

Após duas edições remotas, o V Encontro Anual da Rede CpE reuniu mais de 400 inscritos entre pesquisadores, professores do ensino básico, estudantes de graduação e pós-graduação no Museu do Amanhã (Rio de Janeiro) nos dias 17, 18 e 19 de novembro.

“Ao longo das cinco edições do Encontro, pudemos testemunhar um acréscimo de público, um movimento de maior interesse dos professores e gestores educacionais e uma maior variedade de formatos atraentes combinando a apresentação de resultados de pesquisa com a experiência profissional dos professores em sala de aula. É isso exatamente o que deseja a Rede CpE: a confluência entre a pesquisa científica e a sala de aula”, ressalta Roberto Lent, coordenador geral da Rede.

Convidados internacionais – Esse tema esteve presente desde a palestra de abertura, como o neurocientista Stanislas Dehaene, professor do Collège de France e diretor da Unidade de Neuroimagem Cognitva do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França. Na ocasião, Dehaene falou sobre plasticidade do cérebro e sua relação com os pilares da aprendizagem: atenção, engajamento ativo, feedback de erro e consolidação (especialmente durante o sono) – e como isso impacta no ensino e aprendizagem.

Já a pediatra e cientista cognitiva Ghislaine Dehaene-Lambertz (CNRS/França) refletiu sobre a pergunta: “Por que aprender a ler deveria ser fácil?”. Para a pesquisadora, a aquisição de vocabulário e compreensão depende de vários fatores, como a quantidade de interações e diálogos que a criança está exposta. Por isso, ler livros com ou para crianças desde o primeiro ano de idade também pode contribuir para ampliar o vocabulário.

Andrea Goldin, da Universidade Torcuato Di Tella e Universidade de Buenos Aires, por sua vez, iniciou sua palestra perguntando “o que queremos da educação?”. São várias as respostas possíveis e, ao longo de sua fala, Goldin destaca que queremos cidadãos que compreendam pontos de vistas de outras pessoas e que consigam se comunicar melhor para resolução de conflitos e problemas no mundo.

Outra convidada internacional, Caroline Fitzpatrick, professora da Universidade de Sherbrooke (Canadá), trouxe resultados de pesquisas realizadas no Canadá sobre o impacto do tempo de tela em crianças e adolescentes. Durante a pandemia, o tempo de tela aumentou entre esse público e um dos impactos nas crianças foi a maior dificuldade em manejar raiva e frustração, assim como a diminuição do desempenho escolar e diminuição do tempo de atividade física. E é preciso levar isso em consideração nos processos de ensino e aprendizagem a partir de agora.

Cenário brasileiro – A pandemia também foi o ponto de partida para a reflexão da psicóloga Isabella Starling Alves, membro do Instituto Alfa e Beto. Ela apresentou resultados sobre os impactos do fechamento das escolas em resposta à covid-19 na alfabetização, compreensão e fluência de leitura das crianças em alunos da rede pública de Sobral/CE. Segundo Alves, houve o equivalente a um ano de atraso por causa da pandemia. Apesar disso, alunos já alfabetizados antes da pandemia continuaram a desenvolver habilidades de leitura. “A pandemia de Covid-19 gerou atrasos na alfabetização, porém não gerou muitas perdas”, disse.

Julia Pinheiro Andrade, fundadora da Ativa Educação, trouxe uma apresentação teórico-metodológica sobre o conceito de aprendizagem visível e sua aplicabilidade na sala de aula. “Quando os critérios são visíveis e compartilhados, todo mundo chega lá”, destacou ao final de sua fala.

Já a mesa “Competências Socioemocionais e Motivação em Foco” apresentou resultados, ainda preliminares, de pesquisas realizadas em parceria entre o Instituto Ayrton Senna e a Rede CpE. Ana Deyvis (UniFacema) trouxe dados sobre a relação entre motivação para aprender e as competências socioemocionais, mostrando que a coragem relacionada à perseverança de esforço e a percepção dos professores são fortes motivadores para os alunos. “Competências socioemocionais devem ser priorizadas para o desenvolvimento de competências cognitivas”, disse Ana Deyvis.

A pesquisa liderada por Evely Boruchovitch (UNICAMP), por sua vez, destacou resultados da avaliação do curso de formação de professores sobre motivação para aprender e fatores relacionados ao engajamento escolar. Os dados indicam que a maioria dos professores consideram a vivência dos alunos para despertar a curiosidade.

Momento translacional – O foco na importância da atuação dos professores no processo de aprendizagem se manteve em vários momentos do evento, como nos momentos translacionais. A primeira desta sessão tratou do tema “Competências digitais: da pandemia à pós-pandemia” com o debate entre a pesquisadora Patrícia Behar (UFRGS) e as professoras amigas da Rede Ariane Souza (Rede Municipal – RS) e Bianca Stadnik (Rede Municipal – SP).

Behar iniciou sua fala lembrando as dificuldades e desafios encontrados por todos desde o início da pandemia de covid-19, em especial no caso dos professores. Nesse cenário desafiador, as tecnologias e competências digitais podem contribuir com a educação, embora a peça-chave do processo educacional continue sendo sempre o professor – destaca a pesquisadora.

Nesse sentido, as professoras Ariane Souza e Bianca Stadnik compartilharam com o público do V Encontro suas experiências durante esse período, as dificuldades encontradas e quais as soluções elas conseguiram pôr em prática. Enquanto Stadnik enfrentou desafios na gestão educacional, Souza precisou alfabetizar crianças utilizando o celular.

Exercício e mente – Na segunda sessão do Momento Translacional, o debate foi sobre o cérebro sedentário e suas implicações para a educação. Sergio Gomes da Silva (Fundação Cristiano Varella e FAMINAS) apresentou as consequências da inatividade física e o desempenho cognitivo. Segundo seus dados, o desempenho em leitura e matemática é impactado positivamente em crianças que realizam atividade física com frequência.

Mas como trazer a atividade física para dentro da sala de aula? Adriana Araújo, professora da Rede Pública de Ensino de São Paulo, implementou brincadeiras, danças e atividades ao ar livre e permitiu que as próprias crianças criassem suas atividades. Já Marisa Mello, professora da Rede Pública de Ensino de Santa Catarina, trabalha diretamente com alunos e pais utilizando atividades físicas e cognitivas – mostrando, novamente, a importância do professor.

Comunique-se –  Uma das novidades desta edição do Encontro da Rede foi a sessão Comunique-se. Nela, oito pós-graduandos orientados por pesquisadores da Rede apresentaram suas pesquisas em um formato descontraído e visando a divulgação científica. Eles passaram por momentos de formação com a atriz Letícia Guimarães, que trabalha com popularização da ciência há quase 20 anos.

Nas apresentações, tivemos desenhos de crianças, músicas infantis, cenas de filmes, participações especiais da robô Siri e da avó de uma das participantes e até uma música cantada por uma das apresentadoras.  Para Aline Pereira, a nova cantora, a experiência foi “muito boa! Me sinto imensamente feliz em ter feito parte desse momento”.

Pesquisas da Rede – As pesquisas da própria Rede CpE foram destaque em dois momentos. Na mesa “CpE no espaço escolar”, as pesquisadoras da Rede CpE, Rochele Paz Fonseca (UFMG) e Marília Zaluar Guimarães (UFRJ), contaram alguns resultados preliminares da pesquisa com professores e gestores brasileiros. Visando dar mais suporte aos educadores, a Rede destacou alguns pontos de atenção para o futuro, como indicação de fontes confiáveis, tradução de pesquisas em linguagem acessível, cursos de formação para professores e materiais de divulgação científica. “Professores mudam trajetórias de vida”, encerrou Rochele Fonseca.

Além desse momento, tivemos duas sessões do “Por dentro da Rede”, com estudos de nossos pesquisadores associados. O tema “E depois da alfabetização? Desenvolvimento de literacia nos anos finais da educação básica” foi o foco da sessão do dia 18, com Daniela Cid de Garcia (UFRJ), Márcio Martins Leitão (UFPB) e Eloísa Nascimento Silva Pilati (UnB) falando sobre psicolinguística, leitura e métodos alternativos de ensino.

Já na sessão do dia 19, o tema foi “Análise computacional da linguagem: contribuições para a Educação ao longo da vida”, com Natália Bezerra Mota (UFRJ), Janaina Weissheimer (UFRN), Lilian Cristine Hübner (PUC-RS) e Erica Rodrigues (PUC-RJ). As pesquisadoras falaram vocabulário, biliteracia e cognição, educação e envelhecimento e utilização de ferramentas computacionais no processo de aprendizagem.

Parceria com Sesi – O V Encontro também foi o momento para a formalização da parceria entre o Serviço Social da Indústria (SESI) a Rede CpE. A palestra “Neurociência e Educação: olhando para o futuro da aprendizagem”, realizada no dia 18, enfatizou a necessidade de uma educação inovadora para as próximas gerações e também lançou um livro de mesmo nome, de autoria das palestrantes Ana Luiza Neiva Amaral (Rede Sesi) e Leonor Bezerra Guerra (NeuroEduca – UFMG).

Para Roberto Lent, coordenador da Rede, a importância do Encontro está, exatamente, na “pesquisa translacional envolvendo uma interação nos dois sentidos, muito mais eficiente para dotar o ensino e a aprendizagem de evidências científicas robustas que garantam maior eficiência e escala das práticas educacionais no Brasil”, encerra.

Por Vanessa Brasil e Sidcley Lyra

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